Sem título
Madrugada fria
Debaixo dos cobertores o velho menino sonha. As mãos abertas,cotovelos dobrados, as palmas quase sempre viradas pra cima. Elas se movem às vezes, às vezes ficam inertes.
A face de muitas faces. De rir, de se fechar, de quase chorar...
Da boca saem frases soltas, conversas longas com alguém que só ele vê.
Ou só gesticula.
Em que ano está? Qual acontecimento? O que ele vive nesse momento de tantas falas?
Tudo tão real. Tão presente em sua memória.
O silêncio, a escuridão aqui de fora, impenetráveis no seu mundo de agora.Assim como eu, que talvez nem tenha nascido ainda.
Onde ele está?
Pode voltar a qualquer momento, num susto, num ronco.num abrir de olhos...
Acontece de nessas horas ficar meio confuso, ou apenas em silêncio.
Tenta reconhecer o ambiente.
Tenta acomodar melhor o corpo
Tenta se livrar dos cobertores
Que incômodo!
Geralmente depois de um tempo as pálpebras vão pesando e se fechando de novo.
E lá vai ele outra vez sabe-se lá pra onde. Com sorte, pra um daqueles momentos que se tornaram inesquecíveis em sua vida e que ele mesmo com sua falha de memória se lembra sempre. Ou quase sempre. Ou só de vez em quando. Mas lembra! E melhor que lembrar é poder reviver tudo outra vez!
Os dias vão passando e as noites chegam e o oportunam vivenciar muitas de suas histórias de vida. Talvez não tão na íntegra como foram, mas o que importa. Isso é simplesmente uma experiência mágica.
De alguma forma me sinto parte disso. Fico
ali perto quietinha, invisível, escutando sua fala, ouvindo seus silêncios, as pausas para respirar, e claro, apenas o vendo num sono tranquilo, profundo , de só descansar.
E eu descanso também, e também me permito sonhar.
Ah, esse menino de quase 93. Essa noite que idade será que terá?