Um cara pra lá de bamba - Flavio Bonfim

" Com este prefixo musical vai ao ar a voz do expresso Nacional!"

"Com este prefixo musical vai ao ar a voz do Cine União!"

" Com este prefixo musical vai ao ar a voz de Santa Maria da Vitória!"

Quem, ao longo de sua existência, desde os anos 1960, nunca ouviu as frases citadas acima ditas por uma das mais belas vozes do sudoeste baiano? E que uma das mais belas vozes do sudoeste baiano ecoou por muitos anos através das ondas sonoras dos serviços de auto falantes na nossa cidade de Santa Maria da Vitória!

Bem pessoal, a minha geração cresceu convivendo com pessoas ligeiramente acima da nossa geração, que de certa forma tinham e possuíam status de ídolos pelo o que eles faziam ou que representavam para nós, moleques ainda. Cito por exemplos os jogadores da nossa seleção de Samavi, os integrantes dos grupos musicais etc.

Já escrevi sobre alguns poucos personagens dos muitos que tenho grande apreço, mas especificamente hoje falarei sobre um cara, cuja palavra, extraordinário, acaba sendo muito singela para o tamanho do seu vulto no contexto da nossa história.

Ele não tinha uma estatura alta: era mediana. Tinha os cabelos meio crespos e encaracolados, gostava de usar chapéus, andava meio curvado e gingado, tinha uma áurea adocicada que fazia as mais belas garotas da nossa cidade buscarem o seu doce mel.

Flávio Bonfim é daqueles caras que sempre teve luz própria, nunca precisou de holofotes para brilhar, porque a sua linda voz, enquadrada dentro das mais lindas vozes da radiofonia brasileira, teria brilhado em qualquer grande emissora do Rio e de São Paulo. Eu o coloco no mesmo nível do Ferreira Martins, Humberto Marssal, Marcos Baby Durães, Roberto Figueiredo, e quem discordar, tentem ouvir esses locutores e verão que não estou exagerando não.

O Flavio participou de um dos momentos históricos da nossa cidade! Na segunda metade dos anos 1960, inaugurava-se a primeira linha oficial de ônibus com o itinerário de Santa Maria a Goiânia, passando por Correntina, Posse, Alvorada, Brasília, Anápolis e Goiânia. Era o Expresso Nacional!

O expresso Nacional chegou a Samavi em um belo domingo de sol pela manhã e o seu escritório foi montado no Hotel Alvorada com um estúdio de alto falante, tendo o Flávio como seu locutor principal, e em razão da quebra da barragem hidro elétrica em Correntina, nós ficamos muitos meses sem a eletricidade e sem a voz do nosso grande locutor, mas logo que houve a reconstrução da barragem e a volta da eletricidade, os nossos dias e tardes voltaram a ser mais brilhantes com a volta do serviço de autofalante e a voz do nosso locutor.

O Flavio nunca foi visto usando bermudas, calção, sungas e jamais tomando banhos nas praias do Rio Corrente, nem nas manhãs e nem nas tardes de sol, e quando tomava banho era sempre na noite. Segundo as nossas amigas, que eram tietes dele, por ter uma pele muito clara, muito branca, ele tinha vergonha de expor as suas brancuras através das suas pernas.

Flavio quando tocava baterias nos grupos musicais como os Jovens, tinha o costume de mascar chicletes durante todo o período da performance e nos intervalos das festas, sempre era assediado pelas ninfetas da nossa cidade. Ele só namorava as topes. Claro que teve também muitas aventuras e desventuras e que foram algumas delas exaradas pelo poeta Flamarion em uma das suas lindas poesias.

O meu amigo Joselito teve um grande momento memorável nos anos 1960, quando em uma tarde de julho em um dos ensaios dos Jovens, na casa do maestro Joaquim Lisboa,o Flavio entregou os cambitos e a bateria para ele, que acabou dando um show à parte acompanhando o ensaio, uma grande generosidade dele.

Eu vivi dois grandes momentos na companhia do Flávio. O ano era 1975 em pleno carnaval, quando fui convidado pelo saudoso Pedro Mariano para trabalhar nos dias da folia ,no Barquinho Club durante o dia e no Dois de Julho durante a noite.

O Flavio era o garçom principal, o Dui era o chef de cozinha, o Pedro Mariano era o responsável pelo caixa Jorge de Zifina, um dos irmãos do Pedro e eu , éramos os auxiliares do Flávio, que nos orientava com o maior carinho no atendimento aos clientes, na maioria conhecidos da gente.

Todos os dias ,o Carvalho que estava de férias, ia ao Barquinho Clube, e fantasiado dava uma palhinha com o seu sax. A mãe do Pedro Mariano todas as tardes fazia uma visita e ficava com a gente até o encerramento. Quando ela chegava era abraçada pelo Flavio, conversava com a gente e foi depois de uma destas visitas, ao retornar para casa, ela acabou falecendo do coração deixando a gente totalmente chocados.

Jorge de Zifina e eu, antes de entregarmos os pratos de tira gosto nas mesas, pegávamos sempre um pedacinho de carne . Até andávamos com um palito nos bolsos. No clube Dois de Julho à noite, um sobrinho da esposa de Wilson Barros, vindo de Goiânia passar férias, arrogante pra caramba, tentou me humilhar pela minha inexperiência como garçom; o Flavio partiu pra cima do cara para defender-me e eu acabei sendo o mediador.

Em 1985, em pleno sábado de São João, em uma barraca de frente da casa de Rolando Laranjeira e o clube Dois de Julho, eu fiquei tomando cerveja e comendo petiscos na agradável companhia do Flavio e do Ruy de Mariinha que também passava férias em Samavi e coincidentemente o garçom era o nosso Dui.

O bate papo com o Ruy e com o Flavio, molhando as palavras com cerveja, foi uma das noites e madrugadas mais fantásticas da minha vida, porque pela primeira vez eu conversava com dois caras fantásticos, que na minha infância eu os via como ídolos, e os ídolos a gente convivia com eles mas ao mesmo eles pareciam sobrenaturais, e eu que viajaria na manha de domingo, ali conversando sobre vários assuntos.

Uma coisa marcante naquela madrugada foi dita pelo Flavio: Quando começo a ver ratos andando no meu quarto de paletó e gravata, é a hora que sei de parar de beber e recuperar as forças. Lembro me , que com uma dor no coração por ter que voltar para São Paulo, lá pelas três horas da manhã fui pra casa dormir.

Como traz saudades do passado ver o nosso Flavio dando depoimentos para o documentário que a Rosa Tunes está preparando para nos brindar e matarmos a saudade.

Flávio, você será sempre o nosso prefixo na nossa memória e jamais será um dufixo! Um abraço portonovense!