Ânsia Desconstruída
Qual o bem que você julga lhe escapulir quanto mais você o persegue? Que lhe faz agitar e que, por ser tão essencial, quanto mais aumenta sua ânsia de possuí-lo ele parece ser insuficiente e escorre entre seus dedos frustrando-lhe inexoravelmente?
Dinheiro? Amor? Felicidade? Ou seria o tempo? Há variadas hipóteses possíveis, mas acredito que a paciência seja o bem mais raro, já que pressupõe equilíbrio e isenção de ânimo além de altas doses de tolerância. Não se resolve ter paciência e como num passe de mágica ela brota no meio do nada, é fruto de reflexão para o bem da própria pessoa a fim de preservar sua paz de espírito e seus resultados serem positivos e duradouros. Logicamente que o ambiente de harmonia beneficia a todos no entorno, mas a finalidade principal de quem pratica a paciência é resguardar-se, ter mais qualidade de vida mental e física.
Curioso, não? Externamente a aparência é de altruísmo e bondade em relação ao próximo, mas a pessoa paciente é altamente esperta, já que economiza estresse, jorros de adrenalina em seu sangue, doenças vasculares e dores de cabeça, portanto é um negócio da China exercitar a paciência (e não é por coincidência que um dos princípios basilares chineses é justamente o exercício dessa virtude em obediência ao destino). Mesmo porque não importa o que façamos há um tempo certo para cada fenômeno que nos afeta acontecer e a ansiedade não possui o condão de acelerar a roda da vida. A Bíblia enfoca bastante esse fato lá no livro de Eclesiastes, mas a crônica não é religiosa, é reflexiva.
Tempos modernos demandam celeridade e ritmo, não há tempo hábil para longas contemplações, porém a falta de paciência não só pode como certamente porá tudo a perder. Se um prédio não for erguido sobre bases sólidas ele ruirá bem como tudo aquilo que for executado atabalhoadamente estará fadado ao insucesso. A família, os amigos, os estudos e o trabalho não
gerarão a harmonia desejada e a frustração baterá à sua porta sem demora.
Passo a passo e tijolo por tijolo sempre foi a melhor fórmula para se chegar ao degrau mais alto do pódio na busca da paciência, ou alguém poderia pensar que uma Sonata de Bach foi composta a toque de caixa ou uma linda história de amor resumiu-se a um encontro, algumas flores e um anel?
A vida da gente não é simples e estanque sendo impossível condensá-la em algumas cenas dos “melhores capítulos”, o que seria bom demais. Houve toda uma sequência de gerações anteriores que forjaram o que somos agora com obras e exemplos. Paulatinamente. Aceitando muitos nãos como resposta até estabelecer limites porém admitindo uma relativa elasticidade.
A boa nova é que a paciência é como um músculo, pode ser tonificada e desenvolvida se houver interesse. A força vem aos poucos e quando se dá por conta o que antes incomodava muito agora é leve desconforto até entrar na rotina e depois nem sobrará resquício do que um dia lhe roubou o sono. Ninguém precisa virar monge tibetano ou ser amigo íntimo de quem não o suporta ou vive lhe importunando, ser paciente não envolve renúncias tão profundas ou mesmo humilhação. Sua ciência já vem embutida no nome pa-ciência. Basta ter um pouco de diplomacia e jogo de cintura para se esquivar na hora certa e entender que apressado come cru e ri melhor quem ri por último…
Rio, 16/06/21.