ARRUMANDO AS MALAS PARA IR AO MUNDO

ARRUMANDO AS MALAS PARA IR AO MUNDO

Quando é ultrapassada a necessidade de abrigo e alimento, um lar torna-se doce lar. É o fervor do acolhimento. É a vontade de voltar. Não há coisa pior que não querer ficar. Entrelaçados laços. Desatados nós. A incerteza de que sua residência é um porto seguro.

Arrumamos as malas. O mundo afora reclama independência. Marcas e marcos. Ambientes que, embora não familiares, nos congregam. Agora outros colos, ombros, mãos nos acolhem. Vem o dilema: utilizaremos toda a bagagem ou teremos de nos livrar de todos os apetrechos?

Descobriremos o quão importante é saber quais são nossas forças e fraquezas. Quando será a hora de pedir um conselho? E de confiar no nosso julgamento próprio? Entretanto, "quebrar a cara – pode até ser saudável, pois nos dará a chance de reconstruirmos nosso rosto. Quem sabe um rosto mais autêntico", como disse Lya Luft.

É quase primavera. Os ipês já floriram. Planto versos e colho flores sem cores. Meu desatinado engano. Cruzo pontes desejando ir sem ter que sair do lugar. Sinto que meu coração vai numa velocidade que nenhum avião acompanha. É em Brasília, na ponte JK, nas favelas ou nos senados. É em São Paulo ou no Rio de Janeiro, que não sei ainda até que ponto continua lindo.

Sei que vou indo e não estaciono, principalmente em locais inadequados. Não quero pagar multa e cumprir a pena por estar sitiado em lutas e lutos diários que não me pertencem. Mas é necessário. O vazio alheio me preenche.

Até quando o poeta caminhará? Ele é estrangeiro do mundo. Seus olhos alcançam a romaria da luz da Torre Eiffel e cruzam os becos de Veneza. Neva nos Alpes suíços, mas seus versos não permitem que ele se esfrie.

Há centelhas de Drummond. Há pulsações de Bandeira. Há ressonâncias de Augusto e miragens de Cecília nesse anjo sem fim, que caminha solitário entre uma estrofe e outra – plantando contra os lutos a luta do fértil verbo.

Confissões de um paraibano, confissões de Minas num itinerário do mundo. Peço parada nos livros, repouso pra vida, mas não cesso de andar. Arrumo as malas para ir ao mundo. A poesia me leva. A poesia me chama: eu vou!

O que será de mim diante da versatilidade? Não é melhor ser uno? O mundo não sabe por onde caminho – passo pelo tempo sem comprar ingresso. Meu cais é a palavra.

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 14/06/2021
Código do texto: T7278904
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