A PAISAGEM DO ALMOÇO
Por distração, quiçá levado por uma tentativa de alterar a rotina e a mesmice, resolvi almoçar sentado à ampla janela do apartamento, de onde se descortina um exuberante e esverdeado cerrado e, lá adiante, no rumo das praias da zona Sul de Natal, são perceptíveis blocos de apartamentos, pequenos morros e, em meio a isso tudo, bem perto de meu olhar, bandos de pássaros pequenos e grandes voejam procurando a qualquer custo a sobrevivência cotidiana.
De logo, passarinhos de espécies diferentes me presentearam com seus vôos e manobras, desfilando no ar como delicadas bailarinas em passos mirabolantes de extraordinários e flutuantes bailados. Eles subiam, dançavam, faziam maravilhosas acrobacias, cantavam, "discutiam" aos altos trinados, davam loopings inesperados e, vez em quando, alguns pousavam nos coqueirais do meu condomínio e nos arbustos e pequenas árvores do Cerrado adiante.
Degustando a refeição, eu me deslumbrava ante o lindo espetáculo da vida no ar apresentado pelas alvoroçadas aves. Feliz por vislumbrar o belo concerto da natureza, o ensolarado azul do céu e a paisagem distante em busca das praias e do mar, eu apenas usufruia e me deleitava, sorria extasiado, encantado porque pela primeira vez em muitos anos algo diferente pingava cores novas aos meus olhos, melhor, a própria vida com seus milhares de encantos me proporcionava o ineditismo de suas nem sempre percebidas nuances. Um prédio inacabado bem próximo, cujas paredes nuas estão gradativamente se deteriorando pela chuva, o sol inclemente e o tempo implacável, que, pude perceber, tem servido de abrigo não apenas aos pássaros mas a grande diversidade existencial, toldava-me parcialmente a visão, tornando-a levemente triste. Abandonado por questões judiciais em virtude de divergências entre construtora e interessados em adquirir o imóvel, segundo eu soube anos atrás, o estragado prédio envelhecia e morria lentamente. Desviei dele o olhar e deixei-me levar pela beleza que se me apresentava em derredor, mergulhando novamente no êxtase e na alegria de enxergar com acuidade um mundo novo enquanto me alimentava. Que linda vista da vida vivendo, que almoço!