A PAISAGEM DO ALMOÇO

Por distração, quiçá levado por uma tentativa de alterar a rotina e a mesmice, resolvi almoçar sentado à ampla janela do apartamento, de onde se descortina um exuberante e esverdeado cerrado e, lá adiante, no rumo das praias da zona Sul de Natal, são perceptíveis blocos de apartamentos, pequenos morros e, em meio a isso tudo, bem perto de meu olhar, bandos de pássaros pequenos e grandes voejam procurando a qualquer custo a sobrevivência cotidiana.

De logo, passarinhos de espécies diferentes me presentearam com seus vôos e manobras, desfilando no ar como delicadas bailarinas em passos mirabolantes de extraordinários e flutuantes bailados. Eles subiam, dançavam, faziam maravilhosas acrobacias, cantavam, "discutiam" aos altos trinados, davam loopings inesperados e, vez em quando, alguns pousavam nos coqueirais do meu condomínio e nos arbustos e pequenas árvores do Cerrado adiante.

Degustando a refeição, eu me deslumbrava ante o lindo espetáculo da vida no ar apresentado pelas alvoroçadas aves. Feliz por vislumbrar o belo concerto da natureza, o ensolarado azul do céu e a paisagem distante em busca das praias e do mar, eu apenas usufruia e me deleitava, sorria extasiado, encantado porque pela primeira vez em muitos anos algo diferente pingava cores novas aos meus olhos, melhor, a própria vida com seus milhares de encantos me proporcionava o ineditismo de suas nem sempre percebidas nuances. Um prédio inacabado bem próximo, cujas paredes nuas estão gradativamente se deteriorando pela chuva, o sol inclemente e o tempo implacável, que, pude perceber, tem servido de abrigo não apenas aos pássaros mas a grande diversidade existencial, toldava-me parcialmente a visão, tornando-a levemente triste. Abandonado por questões judiciais em virtude de divergências entre construtora e interessados em adquirir o imóvel, segundo eu soube anos atrás, o estragado prédio envelhecia e morria lentamente. Desviei dele o olhar e deixei-me levar pela beleza que se me apresentava em derredor, mergulhando novamente no êxtase e na alegria de enxergar com acuidade um mundo novo enquanto me alimentava. Que linda vista da vida vivendo, que almoço!

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 14/06/2021
Reeditado em 14/06/2021
Código do texto: T7278402
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