Por que há saudade?
Coisa medonha é a saudade! É um trazer e levar e esconder. É buscar o que não é mais: imaginação, real ou inventada por este tempero. Saudade! Saudade é o sal da idade, pois criança teria saudade de quê?!
Quanto mais se tem idade, mais se sente saudade. É tempero que o tempo macera na gente. Dói e conforta. Dói pela ausência. E conforta por trazer, em ação, da imagem idealizada. Para e por que se sentir saudoso?
Instrumentos da música são diversos. O da saudade, um dos quais, são as fotos. Talvez saudade seja mesmo uma música. Dizem que o vocábulo “saudade” só existe na língua portuguesa. Repetir isto seria clichê. Talvez também seja pelo mesmo motivo que, dizem, que a língua portuguesa é cantada, é musical, com seus exclusivos sons nasais com seus ãos, ões, eles finais, emes e enes – finais também. Talvez sejam notas musicais camufladas em sílabas: “Sal.Da.De.”
Olho esta foto, presente. Pedro Nava diz que é possível modificar o passado através da memória despertada por cheiros, fotos e situações, que se antes não era entendida, com a memória adulta passa-se à compreensão. Daí presente. Olho o churrasco em minha mão. Reparo a mão de minha mãe me repreendendo. Vejo meu pai conversando e sorrindo, feliz. E vejo que no teatro da vida ela, a mãe, sempre foi muito mais repressiva que meu pai a quem eu sempre olhei com os olhos dela.
Vejo também a negra atrás de mim. Comparo as etnias e cores da pele e cultura. Meu pai amorenado pelo sol. Ele era filho mais velho de meu avô. Ele teve que estudar para a gerência de fábrica de laticínio. Estudou o básico em escola pública e cursos por correspondência. Ela parente de escravistas. Lembro-me da fazenda da prima-avó com sua fazenda com senzala e o pelourinho. Chega aos meus ouvidos o reclame da negra “tua avó dizia que quem come de seu feijão merecia o seu correão”. Sinto as brutalidades das gerações que vieram a seguir e o tratamento dado aos empregados. Se não mais escravidão, servidão e achavam isto favor. A negra faz-me lembrar de Carolina Maria de Jesus e ao mesmo tempo de Simone de Beauvoir. A primeira, Carolina, aproveitou a desventura para ler e aprender na casa de pessoa culta em que trabalhava. Tornou-se escritora. A francesa por sua célebre frase “O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplice entre o oprimido.”
A negra da foto até tentou se alfabetizar. Idealizava arrumar um trabalho assalariado. Quando viu o programa MOBRAL do governo tentou cursar, mas tudo lhe era contrário. Era fidelíssima à minha mãe e vigiava minhas irmãs para não se “perderem na vida”.
A foto além destes personagens retrata um momento festivo em uma barraca em parque de exposição agropecuária de 1968, em Barbacena. Parentes e vizinhos que meu pai gostava de arrebanhar para eventos assim estão nela.
Memorialista, que sou, sigo a catarse para repensar a vida nestes momentos de pandemia.
Evoé, Mnemósine!
Coisa medonha é a saudade! É um trazer e levar e esconder. É buscar o que não é mais: imaginação, real ou inventada por este tempero. Saudade! Saudade é o sal da idade, pois criança teria saudade de quê?!
Quanto mais se tem idade, mais se sente saudade. É tempero que o tempo macera na gente. Dói e conforta. Dói pela ausência. E conforta por trazer, em ação, da imagem idealizada. Para e por que se sentir saudoso?
Instrumentos da música são diversos. O da saudade, um dos quais, são as fotos. Talvez saudade seja mesmo uma música. Dizem que o vocábulo “saudade” só existe na língua portuguesa. Repetir isto seria clichê. Talvez também seja pelo mesmo motivo que, dizem, que a língua portuguesa é cantada, é musical, com seus exclusivos sons nasais com seus ãos, ões, eles finais, emes e enes – finais também. Talvez sejam notas musicais camufladas em sílabas: “Sal.Da.De.”
Olho esta foto, presente. Pedro Nava diz que é possível modificar o passado através da memória despertada por cheiros, fotos e situações, que se antes não era entendida, com a memória adulta passa-se à compreensão. Daí presente. Olho o churrasco em minha mão. Reparo a mão de minha mãe me repreendendo. Vejo meu pai conversando e sorrindo, feliz. E vejo que no teatro da vida ela, a mãe, sempre foi muito mais repressiva que meu pai a quem eu sempre olhei com os olhos dela.
Vejo também a negra atrás de mim. Comparo as etnias e cores da pele e cultura. Meu pai amorenado pelo sol. Ele era filho mais velho de meu avô. Ele teve que estudar para a gerência de fábrica de laticínio. Estudou o básico em escola pública e cursos por correspondência. Ela parente de escravistas. Lembro-me da fazenda da prima-avó com sua fazenda com senzala e o pelourinho. Chega aos meus ouvidos o reclame da negra “tua avó dizia que quem come de seu feijão merecia o seu correão”. Sinto as brutalidades das gerações que vieram a seguir e o tratamento dado aos empregados. Se não mais escravidão, servidão e achavam isto favor. A negra faz-me lembrar de Carolina Maria de Jesus e ao mesmo tempo de Simone de Beauvoir. A primeira, Carolina, aproveitou a desventura para ler e aprender na casa de pessoa culta em que trabalhava. Tornou-se escritora. A francesa por sua célebre frase “O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplice entre o oprimido.”
A negra da foto até tentou se alfabetizar. Idealizava arrumar um trabalho assalariado. Quando viu o programa MOBRAL do governo tentou cursar, mas tudo lhe era contrário. Era fidelíssima à minha mãe e vigiava minhas irmãs para não se “perderem na vida”.
A foto além destes personagens retrata um momento festivo em uma barraca em parque de exposição agropecuária de 1968, em Barbacena. Parentes e vizinhos que meu pai gostava de arrebanhar para eventos assim estão nela.
Memorialista, que sou, sigo a catarse para repensar a vida nestes momentos de pandemia.
Evoé, Mnemósine!
Barbacena, 13/05/2021.
Leonardo Lisbôa
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de 19 de Fevereiro de 1998.
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