Logicamente
No interior de uma padaria, uma mãe, com o filho de aparente dez anos de idade, aguarda na fila a vez de ser atendida. Após uns dez minutos de espera e muitas consultas ao celular, é chegada sua vez. Uma simpática e comunicativa atendente se apresenta, cumprimenta-a e lhe pergunta como está, se o menino a seu lado é seu filho e, finalmente, se deseja comprar pães. A mãe lhe devolve o cumprimento e responde afirmativamente às perguntas da simpática atendente. A moça recolhe os pães do cesto e os entrega, logicamente dentro de uma sacola, à mãe, que, muito atraída pela simpatia da atendente, lhe questiona sua origem e parentesco. A moça, educadamente, responde às perguntas e levanta outras duas, sobre política e economia.
O menino, inquieto, espera o fim do diálogo, que tarda e não vem. Tenta matar o tempo olhando para as paredes, que, logicamente, estão mudas. Em seguida, volta-se ao teto da padaria à procura de telhado, que não encontra; encontra PVC forrado. Decepciona-se e logicamente também entedia-se, puxa a mão da mãe e diz: “Ó mãe, a gente vamos?”.
A mãe, de imediato, interrompe a conversa sobre política e economia que levava com a simpática atendente e, em meio à multidão composta por cinco clientes, olha para o filho com um olhar constrangido, para censurar o português do garoto: “Não é ‘A gente vamos’, meu filho. O certo é ‘Nós vamos’”.
O menino, contrariado, retruca logicamente: “Mãe, não sei. Só sei que aqui nós não fica”.
Às vezes quase sempre me pergunto por que a gramática às vezes quase sempre não me parece lógica. Um exemplo disso é a condenação do "A gente vamos". Por que, de acordo com a norma padrão da língua portuguesa, não podemos falar nem dizer "A gente vamos"? Ora, desde quando "a gente" não é plural?
Trago à tona essa episódio vernáculo envolvendo mãe e filho para ilustrar e dizer que cansei de estudar gramática. Agora estou gastando parte de meu tempo para estudar raciocínio lógico matemático. Como se percebe logicamente, estou tendo avanços na área, pois vou logo me valendo de uma questão matemática: ora, como gastar o que não me pertence? Isso não seria um paradoxo? Uma contradição? Tautologia?
Digo que não sei a resposta, e que, quanto mais estudo raciocínio lógico matemático, mais aprendo português. Se antes, a cada dez questões de interpretação textual da FGV, eu errava onze, hoje eu acerto ao menos uma. Eis aí, de grátis, outro caso de lógica logicamente explícito.
Se cansei de não ver lógica em português, em matemática estou exausto. Se não entendia (e contínuo se entender) por que a gramática normativa e a restritiva condenam expressões como “A gente vamos”, “Ela está meia nervosa”, em matemática, uma de nossas ciências exatas, ocorrem exatamente problemas parecidos, só que mais ou menos graves, envolvendo números e letras.
É o caso da negação de “todo”. Sempre pensei (e ainda penso ou acho) que a negação de “todo” é (ou seria?) “nenhum”. Mas a lógica matemática me prova, por A mais B, que estou errado. Por exemplo, a negação da expressão “Todo palmarino é alagoano”, que sempre pensei que fosse “Nenhum palmarino é alagoano”, está incorreta, conforme a lógica matemática. De acordo com a lógica matemática, que é diferente da minha, a negação de “Todo palmarino é alagoano” é “Pelo menos um palmarino não é alagoano”, logicamente.
O estudo de raciocínio lógico matemático tem-me deixado cem por cento triste, logicamente mais do que os noventa e nove por cento rotineiros. Tem entristecido até meus poucos sonhos, inclusive. Esta madrugada mesmo tive um sonho em que estava no trabalho, carimbando uma centena de cartas, quando ao meu lado um cliente bigodudo se aproximou, acendeu um cigarro e me ofereceu outro. Eu aceitei e dei altas tragadas, inclusive. Mas as tragadas duraram pouco, porque logo acionei os escassos conhecimentos colhidos na lógica matemática, que me garantiram, por A mais B, que eu não fumo nem nunca fumei cigarro algum (Ou seria nenhum?).
Enfim e de modo que interrompi o sonho e fui transportado (o raciocínio lógico de gramática permite o uso dessa palavra no contexto) do local de trabalho para uma praia povoada e barulhenta, onde também havia uma viatura da polícia fazendo ronda no local, uma pregação missionária em plena louvação e um boi solto e valente no pasto. Mas aí eu cataloguei esses pormenores e os apresentei à lógica matemática, que, logicamente, fez os cálculos e, em questão de milésimos de segundos, acordei e fui invadido (o raciocínio lógico de gramática permite o uso dessa palavra no contexto) por uma ideia fixa, que me sugeriu abandonar de vez o estudo das lógicas gramatical e matemática e me dedicar à astrologia.
Pois bem, em face de Deus e desses episódios, não vejo futuro no estudo de lógica, tampouco no de gramática. De modo que doravante me dedicarei à astrologia e, quem sabe, contrariando a lógica e a gramática, talvez até sonhe com estrelas. Parece que agora a gente vamos.