Maria da zona
Ela sabe fazer bem o que faz na zona. Ela tem o corpo gasto e mal remunerado, das mulheres carcomidas pelo sofrimento. Não se sabe bem sua idade, nem quantos filhos teve, nem com quantos homens se deitou.
Não se sabe se Maria tem um nome, um passado sem zona, um futuro demarcado.
Maria é boêmia e gosta de ser. Usa plumas para receber os coronéis, usa deo colônia para iniciar alguém. Nunca viu na vida um preservativo, se considera bem preservada, se é o que você quer saber.
Ser “puta” não é bem seu ponto forte, ela prefere ser “garota de programa”, onde o glamour lhe rende dez reais a mais. Maria dá tanta gargalhada que parece feliz, ou quem sabe é louca, dessas que riem até de tragédia.
Quando esteve presa, presa não, detida, fez foi distribuir para os guardas o seu cartão, não é mulher pra ter medo de guarda, nem de cela, nem de nada. Já perdeu tantos dentes quanto oportunidades, tantos fetos quanto amores, tantos cabelos quanto dignidade.
Maria não liga pra mais nada. Ela só quer dar risada e dar tudo de si na cama a quem procura pelos seus serviços. Não tem mais beleza, talvez nunca tenha havido beleza no corpo dela, mas ela tem autoestima, se acha a “garota” mais gostosa e excepcional da zona. É professora das novatas, entende tudo desde o começo ao fim do balacobaco, não há nada que não tenha experimentado.
Não troca asseio por comida. Prefere sempre o banho. Talvez por isso esteja saudável, pois é limpa do pescoço pra baixo. A cara tem que estar sempre maquiada.
O seu cigarro é eletrônico, coisa fina, coisa de gente elegante. Não deixa cheiro ruim na roupa nem nos cabelos, assim agrada a todo tipo de cliente.
Maria quer agradar alguém. Faz tudo o que puder para agradar. Só não se faz agrado nenhum, porque ela não se importa consigo, ou se importa mas sabe que não tem mais chance nenhuma de sair daquela vida.
Será que Maria já se viu no espelho?
Ao se olhar percebe-se ferrugenta e um pouco morta, ela morre de doença e abandono, de solidão e desdém. Quando morre ainda gargalha no ar, pois tal Maria é cômica, ri de si mesma e do seu sofrimento, ironiza a vida podre e indigna que lhe sustentou até a hora final.
Do meu livro: Como morrem as Marias