INTERMITÊNCIAS DA POESIA

INTERMITÊNCIAS DA POESIA

Já tentei ser um intermitente da própria vida. Quem nunca? Quem não tentou não tem consciência da precariedade que é viver e, também, do quanto é bom enamorar quando cada crepúsculo se interpõe à porta. A poesia, a real, aquela que nos desinstala, (des)conserta, expõe o primeiro e derradeiro grito, mostrou-me que há mistérios que não podemos mensurar. É assim que misturo meu sangue ao de outros. Desvelando palavras que não sei bem se são minhas, mas que querem promover o melhor para quem se avizinha. Ainda que por instantes possam desagradar.

É na palavra que me ausento. É por meio dela que me presencio. É parto, reparto, partilha. É porto, é cais, é naufrágio. Sou homem, sou menino. O que me ampara são as diversas histórias da literatura. Assumo a responsabilidade de viver muitas vidas numa só. De viver numa multiplicidade. De estar inserido num plural e ter como sina a unicidade.

Tenho por lucro alguém que me ampara, passa as mãos nos meus cabelos e diz que me ama. Divido com ela a minha solidão, mas inevitável é que esse território seja todo habitado. Tudo bem. Não quero. Preciso de resguardo. Como quem partejando necessitasse restaurar seu ventre para acolher outras crias.

A solitude é uma forma de autoplacenta. Reserva para retornar a um equilíbrio que nos parece tão distante. É o famigerado silêncio que poucos entendem. Quero ter o direito de estar envolto nessa moldura. Ambição de todo escritor é essa; durar – por mais que negue.

Mas estou farto de convicções. Dizia eu que não temos direito de estacionar. Que autoridade tenho para tal afirmação? Não sou um Deus. Não (su)porto as dores da humanidade para ser tão categórico com direitos e deveres. Ninguém tem o direito de voz na dor do outro. Tantas vezes me vi mudo diante da minha, que dirá da alheia? Entretanto, um direito quero ter: o da dúvida.

E quero aprender a ser mais próximo de mim para alcançar o que me parece tão longe. Para tanto, preciso da sintaxe, da semântica, da morfologia, da fonologia que vão me reger para que eu seja um texto bem costurado, ainda que uma vírgula, um ponto que esteja fora da normatividade. Não importa. A transgressão faz parte da travessia denominada autenticidade.

E é na poesia que me lembrarei de que “não é o tempo que passa depressa, sou eu é que vou devagar”. E é nesse verso de Helena Kolody que vou rememorar que o tempo é uma mera perspectiva. Que sobre ele não vou apenas devagar, mas divagar como já sou com as palavras. Corro por elas sem tanto nexo, mas com sentimento. Assim me sedimento na difícil arte de ser um poeta intermitente.

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 11/06/2021
Código do texto: T7276626
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