SOLIDÕES ENDEREÇADAS

SOLIDÕES ENDEREÇADAS

Há o que dizer? Não quero conversa. A solidão não é nossa. A solidão não é nem minha nem tua. Depois de ter sido expulso de casa, expulso de casa feito um feto dum útero. Como se um caracol se desfizesse de sua concha. Eu me transmutei. Deixei de ser o verme que se arrastava para me ordenar homem.

A primeira vez em que vi meu pai chorar eu já era homem. Seu rosto acusava o desgaste de quem não se permitia ser frágil. Suas lágrimas urraram. Eram anos de pranto preso. Nessa hora, se autorizou ser menino e o acompanhei.

Olhei para ele – vi um passado presente, deslocado, sem mapa. Foi então que o meu laço de sangue se desatou para abraçá-lo. Mas, laços de sangue não são garantia de nada. Às vezes são o maior desenlace que (não) podemos carregar. Eu queria saber como adentrar nas profundezas de um antepassado, conhecer sua história para poder entendê-lo, saber o porquê de ele ser hoje assim. O ser humano não pode ser incoerente.

Cada ser humano vai se apropriando de um código de conduta a partir de suas vivências e costuma (re)produzir seus significados para além do que denota cada episódio. É uma trama complexa de relações e de histórias diante de luzes e penumbras. Não quero ser determinista, mas, na maioria das vezes, o contexto faz a pessoa. O espaço e o tempo estão impregnados. É aquele chavão de que para entender o presente é preciso olhar o passado.

Há quem confunda ser autônomo com ser autossuficiente. O primeiro nos faz avançar, o outro nos estaciona e nos leva à solidão. Precisamos de silêncio para fomentar a reflexão, mas calar demais é covardia. Usar o silêncio para sustentar o orgulho é covardia. Um ser humano dignificado é aquele que assume seus sentimentos por mais sombrios que lhe possam parecer.

Há um lado infantil que insistimos em carregar. Não saber dividir talvez seja uma marca. Não querer pertencer seja outra. Falar demais outra. O silêncio, mais uma. Assim turvamos nossa lucidez, sustentando a ideia de que estamos prontos. “Eu sou assim, nasci assim e morrerei assim”.

É através da escrita que me reconcilio com a vida. Estou sempre intrigado com esse mistério do que seja amar. O amor é múltiplo, tanto que, quando estamos assimilando sua forma ele se transforma. É como um vírus que se metamorfoseia quando submetido a antibióticos. Mas que ninguém desista de investigar tantos formatos e que a estes também se molde.

Hoje procuro um lar para sentir que pertenço, e não que sou apenas uma parte. Para isso preciso partir, para isso preciso parir de mim o que me faz ficar. São as lembranças, memória de um menino que ainda não sentia ser só. Hoje quero meu sangue, meu corpo e suor.

Leo Barbosaa
Enviado por Leo Barbosaa em 11/06/2021
Código do texto: T7276625
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