VIVÊNCIAS

VIVÊNCIAS

Quero começar escrevendo um devaneio, mas antes dele, digo aos meus leitores, que faz bastante tempo que consegui me livrar quase de vez do vitimismo, as recaídas eu as expulso rapidamente.
Conto as minhas histórias e elas podem dar a impressão de que me acho vítima da vida. Gosto muito do que vivi, tenho muito orgulho de tudo.
Ao devaneio: agora é fácil devanear, pois o momento passou, a vida correu bastante e muita coisa foi vivida e aprendida.
Fosse eu alguma autoridade naquela escola, teria chamado aquele menino do lado e dito: - Você não acertou nada na prova, nem as continhas mais básicas, mas você é o cara, uma vaga aqui é sua, vejo que você vai ser um dos melhores daqui. Você veio ontem lá de tão longe, sei quantas condução tomou, a mesma roupinha mulambo, parece que nem banho tomou, sabe-se lá o que comeu, hoje voltou, fez essa prova ruim, mas você merece pela disposição que demonstrou.
O caso é que fazia poucos meses que havíamos chegado na cidade grande, na cidade de Santo André, no ABC., eu tinha nos primeiros três meses morado na casa de uma tia, na capital, para ajudar meu tio em sua alfaiataria.
Tendo voltado pra casa resolvi ir atrás do SENAI, pois tanto tinham dito sobre aprender uma profissão que aquilo me entrou na ideia. Em Santo André não existia essa escola naquela época, a mais perto, que eu tive conhecimento, ficava no bairro do Brás, na capital. Eu sabia onde era, pois ficava ao lado da linha do trem de subúrbio que eu já tinha utilizado bastante, e se me perguntassem o que existia naquele percurso de meia hora naquele trem, é possível que eu soubesse dar o nome de tudo ou quase tudo.
Fui até a escola para me informar, e quando falaram que as inscrições estariam abertas e eu voltei e me inscrevi e logo, acho que já no dia seguinte fui fazer a prova. Fui mal, não sabia nada ou quase nada.
Quem quiser pode dizer que foi convencimento meu, mas eu me achava inteligente e acreditava que não teria dificuldade. Acontece que no meu curso primário, por uma série de razões que não dá para descrever aqui, eu nunca tinha o material escolar em dia, os cadernos sempre se perdiam, mas isso nunca impediu que eu me saísse muito bem, sempre com notas muito boas. Eu já estava há quase um ano longe da escola.
Talvez o meu psicológico onde fica hospedado um orgulho bobo de ter vergonha das derrotas, fez com que esse episódio poucas vezes me surgisse na memória. Dessa vez eu corri para registrar.
Aquele não era o meu destino. Não lamento de jeito nenhum esse acontecimento.
A minha melhor escola foram as ruas da capital e do ABC., foram as inúmeras atividades as quais nem me lembraria para falar.
Sinto um alívio por não ter ido para nenhuma indústria, eu as conheci bem depois.
Teria perdido a vida de menino livre, livre de verdade.
Não teria sabido o que é caminhar no fio da navalha e ter o orgulho de ter sabido escolher o lado conveniente.
Tenho dores, cicatrizes, marcas tatuadas na pele e na alma.
Tenho fé na vida e disposição para seguir em frente sempre.
Tenho um coração macio e resistente, muito amor para doar.
Com a religião eu tenho admiração, tive paixões e decepções.
Com Deus eu me dou muito bem sim!
Nas areias da praia da minha vida, tem marcas profundas de um único caminhar, são marcas fortes com indícios do peso que suportou, não, não são minhas não, são marcas dos passos de quem me levou.
JV do Lago
Enviado por JV do Lago em 08/06/2021
Reeditado em 08/06/2021
Código do texto: T7274022
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