Epitáfio

Eu tenho pensado bastante sobre o tempo, já falei sobre isso uma vez, à medida em que me aproximo da conclusão da faculdade, mais me dou conta de como o tempo voou. Ontem, eu estava em um encontro com a Fê, que me adotou como um membro da sua equipe no trabalho, estávamos conversando sobre algo que me causa um incômodo e ela me disse algo como “Um caminho negativo não vai se formar da noite para o dia, nem um caminho positivo vai se formar da noite para o dia; requer tempo”. Há algumas semanas, em uma outra reunião do trabalho, ouvi a mesma coisa, e acredito que desde que conheci Fernanda ela me diz essa frase, mas de formas diferentes; de maneira geral, a estrutura dessa frase sempre está na minha vida, quase sempre alguém de diz “Calma, isso requer tempo”.

Eu sou um indivíduo extremamente ligado numa tomada de 220 volts, normalmente estou sempre enfiado em 5 projetos ao mesmo tempo, escrevendo 5 coisas distintas, querendo produzir mais 5 coisas totalmente distintas das outras 10 que estou fazendo. Então, sim, me pedir calma, provavelmente não vai surtir efeito, porque com toda certeza eu vou estar muito ocupado escrevendo, produzindo e tendo surtos leves em função dos bloqueios criativos. Mas, por algum motivo, o efeito formatura me atingiu com uma violência maior do que eu esperava, quer dizer… bem, não foi a formatura que me atingiu e me derrubou no chão, foi ele, meu maior inimigo: o Tempo. Ele já me trouxe curas, já me trouxe amores, desamores, paixões, tristezas, alegrias, tínhamos tudo para sermos amigos e talvez até sejamos, temos uma questão fundamental, o Tempo, este velho senhor muito impositivo, gosta de frisar que as coisas somente ocorrem quando ele quer, quando lhe parece pertinente.

Não vale muito a pena lutar contra o tempo, mas comigo, ele costuma ser cruel, eu o desafio, todos os dias, a todo momento, eu faço questão de desafiá-lo; faço isso da maneira mais sutil possível: desejo que ele corra, e quanto mais quero que ele corra, mais devagar ele vai, até que, enfim, me acostumo com o ambiente, aprendo a apreciar a vista, a lidar com a calmaria, é exatamente nesse momento em que ele mostra toda a impetuosidade e corre, faz isso com violência, me jogando violentamente para frente, me mostrando com todo furor que o momento de aproveitar era antes, quando ele me dava a chance de me afeiçoar ao caminho, porque no momento em que fosse o ideal, ele iria correr, sem me dar a chance de olhar muito para trás.

Me lembro muito da primeira vez que andei de avião, eu queria tanto que o avião decolasse, e quanto mais queria que ele decolasse, mais devagar ele passava pela pista de decolagem do Galeão, mas ali naquele vôo, não muito longe de mim, havia uma outra criança, mais nova do que eu, que queria muito que o avião levantasse, falava isso constantemente, de tão lentas as voltas, o menino dormiu, e foi justamente nesse momento que o avião enfim correu, até que a pista acabou e ele subiu (naquele ângulo de 90 graus que faz você ter certeza que vai morrer até que ele se estabilize), pela janela, vi as luzes da Ilha Governador, lá de cima, era lindo, só consigo entender isso hoje em dia: a beleza de cima era estonteante, mas era justamente na beleza que havia no caminho que eu deveria ter notado; estava tão focado no voo, que nem me toquei no tanto de coisas belas que vivi da minha casa até lá e como aquele dia foi divertido.

Passei uma boa parte do voo acordado, mas acabei dormindo depois de um tempo, adormeci sabendo que estava no céu e que as luzes da Ilha do Governador eram lindas. Acordei 2h depois no meu destino, já com o avião em pouso, foi justamente nesse momento, que o menino que dormiu antes da decolagem no Rio acordou, e fez a mesma pergunta do Galeão “Vovó, a gente já tá no céu?”. Poxa vida, o menino perdeu toda a mágica, ele estava tão eufórico, que gastou toda a energia antes do voo. Eu entendo o significado disso e por isso a formatura me atingiu… eu gastei tanta energia estando eufórico, que perdi uma parte do voo, e agora ele está acabando.

Pouco antes de eu deixar meu antigo emprego, um dos meus alunos mais agitados, Davi, um dia, chegou para mim e disse; “Titio, tomara que você fique aqui pra sempre”; era a forma dele de me querer por perto, naquele dia eu chorei um tanto quando cheguei em casa. Eu precisava sair daquele emprego, era preciso voar atrás de novas possibilidades, mas eu estava tão cansado, exausto e querendo o futuro, que não me dei conta de como o presente com o Davi era bom, de como eu gostava de brigar com o Arthur e de como era bom trabalhar com a Yasmin. Eles faziam tudo valer e eu deveria ter entendido isso antes do tranco do Tempo.

Acho que é isso que a Fê e todo mundo tenta me dizer: “Aproveita agora, Pedro. Porque ele tá se preparando pra correr. Curte a vista antes da corrida.”

Tempo,

te faço um pequeno pedido:

antes de correr, me deixe colocar o cinto de segurança.

ainda temos muitas corridas agitadas por aí; todas de acordo com o seu desejo.

infelizmente

felizmente

infelizmente

felizmente

infelizmente

feliz

Pedro H Ribeiro
Enviado por Pedro H Ribeiro em 08/06/2021
Código do texto: T7273854
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.