Tia Nicinha era uma dessas tias que toda família tinha: casou cedo, o marido não prestava e separou. Separou em uma época em que a mulher separada tinha de viver como uma freira para provar a sociedade que continuava decente. Conformada com a sua situação, nunca mais namorou ou se permitiu amar.
          Feito isso virou a coringa da família. Onde alguém  precisasse ela estava lá. Parecia não ter casa. Sua casa era a casa de algum parente e todos acostumavam-se com sua presença a ponto de reclamarem quando ela ia embora.
          Tia Nicinha tinha o cheiro suave de alfazema e obviamente o seu perfume preferido era seiva de alfazema. Ela transformou seu perfume em um presente padrão. Todos da família usaram seiva de alfazema em algum momento da vida.
          Sua vida terrena foi longa e somente aos 105 anos retornou à pátria espiritual totalmente lúcida. Horas antes de desencarnar comeu seu prato preferido como se estivesse comendo pela última vez e na verdade era. Pensei no corredor da morte onde o executado tem o direito de escolher sua última refeição. Ela teve.
          Lembro  que ao terminar, limpou a boca elegantemente e morreu serenamente deitada em sua rede tirando uma soneca.
José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 08/06/2021
Reeditado em 08/06/2021
Código do texto: T7273831
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