O VALE DA SOMBRA DA MORTE
O Salmo vinte e três foi construído a partir das experiências pessoais do rei Davi quando este apascentava os rebanhos de seu pai, Jessé. Cada sentença desse salmo se refere nos particulares do trabalho de um pastor de ovelhas e seus cuidados com o rebanho. Então, quando se lê “Unges-me a cabeça com óleo...” é possível fazer analogia com o período de verão na palestina, quando os rebanhos são assediados por enxames de moscas que tentam deixar suas larvas nas narinas da ovelhas, causando profunda inquietação no rebanho. Nesses casos, o pastor preparava uma espécie de repelente natural feito à base de óleo e ervas aromáticas e derramava sobre as cabeças das ovelhas trazendo segurança, alívio e conforto imediato. Quando lemos “Ele me faz repousar em pastos verdejantes” e “Leva-me para junto das águas de descanso” é fácil entendermos o labor do pastor no manejo do rebanho em busca dos melhores pastos e das fontes de águas puras e cristalinas.
Ocorre, que entre os pastos verdejantes e as águas cristalinas ficava o tenebroso vale da sombra da morte. Este vale existe de fato e fica no caminho entre Jerusalém e Jericó. Lugar escorregadio, cheio de escarpas e cavernas naturais que no passado serviam de abrigos aos salteadores e refugio aos leprosos. Esse ambiente foi ganhando ao longo dos anos contornos cada vez mais pavorosos. Não é por mero acaso que o nome e tudo o mais nesse lugar faz lembrar um filme horripilante de terror.
Metaforicamente, esse vale representa na vida do cristão um período de angustia, insegurança, impotência, falta de perspectiva, desproteção desamparo e solidão, coisas tão atuais nesses tempos tão sombrios.
Pessoalmente, entrei por esse vale no inicio da adolescência, quando me vi fraco, orfanado e solitário. Acabei me desencontrando de mim mesmo. Pensei ter chegado ao fundo só para descobrir que era possível cair ainda mais. “Então, Deus ouviu o meu clamor” Sl 130:1-3.
Estive de volta a esse vale outras vezes. Uma delas, em uma noite escura, me vi subindo por uma trilha ao alto de um morro, à beira de um penhasco, sendo conduzido por marginais ao cativeiro. Quando o pavor dominava meus sentidos, as palavras do rei Davi me caíram como um bálsamo e me dava algum alento: “Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum...” De fato, Deus me concedeu um grande livramento naquela noite. Entrei aterrado recitando o salmo vinte e três e saí propalando com euforia o salmo dezoito: “Pois contigo desbarato exércitos, com o meu Deus salto muralhas...”
Aprendi com o tempo à custa de muitas experiências penosas, que na realidade não importa o aspecto do vale, nem as circunstâncias. O que realmente importa é saber que, apesar de tudo, o Pastor estará sempre ao nosso lado: ”porque tu estás comigo...”
De fato estive prisioneiro em uma das maiores comunidades do grande ABC paulista. Mas, o Deus a quem eu pertenço e a quem eu sirvo deu-me um livramento surpreendente naquela noite escura de dezembro.