APARÊNCIAS DÚBIAS

Era uma casa acima da minha, alguns metros acima, de tal modo que os olhares davam dentro de minha casa.

E viam-me da janela... Toda noite me olhavam, alguém me olhava todas as noites ininterruptas. Olhava-me... Eu, inesperadamente voltava à minha ante-sala, e lá estava aquele sentinela. Quando menos se espera, eu estava de pé, e olhava da janela, e via que me olhava. Irritava-me aquele olhar incessante, obsessivo; olhar noturno de mau agouro. Irritava-me aquele olhar...

Mandei-lhe um recado:

- Vá até lá - falei à empregada – diga àquele homem que pare de olhar para dentro de minha casa!

Benedita foi, bateu palmas e foi atendida por um homem pálido, de olhos fundos, sem sobrancelha, sem pelo algum pelo corpo... Indagou-lhe, não pelo tom que a fizera ir ali, mas desfeita pelo choque da aparência alheia. Maciamente lhe perguntou:

- O senhor não dorme à noite...?

- Alguns minutos. As dores não me permitem. Fico perambulando pela casa e vigiando um senhor lá em baixo que parece ter grandes problemas, posto que também não consegue dormir. Penso ir lá uma hora dessas visitá-lo.

Quando vi Benedita adentrar minha casa com aquele olhar triste, enfureci-me. Deve ter sido destratada por aquele espião!

- Sabe por que ele fica a noite inteira de pé, seu Marivaldo?... Perguntou-me. Não consegue dormir por causa das dores... E acha que o senhor também sente dores, e ele fica olhando para cá se compadecendo com o senhor.

Depois disso eu o via naquela janela e também me compadecia daquele homem.

Eu ainda o vi por algumas noites.

Hoje aquela janela parece não existir mais.

Geraldo Altoé

Geraldo Altoé
Enviado por Geraldo Altoé em 07/11/2007
Reeditado em 08/11/2007
Código do texto: T727298