O NASCER DO SOL

Acordei pensando em ti. Olhei as horas, 4.40. Ainda vou a tempo de ver o nascer do sol . Não me canso de ver o sol nascer. Tinha confirmado na aplicação do tempo. O sol neste dia, despontava ás 4.53. Pulei da cama como um felino e calcei os ténis que fui buscar á arrecadação. Enverguei a parka por cima do pijama. Bem, não era bem um pijama. Pijama é forma de falar. Era uma camisa de dormir estilo camisa de homem. Saí para a rua, só com a camisa e a parka em cima do corpo. Afinal não estava frio, a temperatura rondava os 12°c.

Só pelo fato de estar na rua sem roupa interior, áquela hora da manhã, com o propósito de ver o sol nascer, é indiscritível a sensação de liberdade que senti. As emoções e sensações são baseadas e motivadas por vários factores. O propósito e o tempo são muito importantes. A sensação não seria a mesma se saísse para a rua sem cuecas as 3 da tarde para assistir á matiné ou saír ás 11 da noite para ir á discoteca dançar, porque o propósito era sem dúvida diferente, mesmo embora fazendo apenas parte do subconsciente.

Cheguei á praia em 2 minutos. A tempo de ver o sol nascer ás 4.53. O espetáculo é sempre feérico. Como feérica me senti caminhando em passo rápido sem tirar os olhos do céu. Os amarelos, laranjas e vermelhos fascinam-me. A mente rejubila numa explosão de cores e sons. As cores que me vêm do céu e os sons que me vêm do mar. E eu estou sozinha na marginal, em camisa de noite, sem cuecas e sem soutiã e sinto-me viva e livre. Completamente desamarrada de preconceitos, ideias pré concebidas, ideias de caca que asfixiam a pureza dos sentimentos.

Olho dentro de mim e admirada vejo que cresci. É bom quando nos damos conta disso, é sinal que a nossa vinda aqui não foi em vão, surtiu alguns frutos e penso: Podia ter vindo nua. Logo a seguir avisto mais um madrugador fazendo jogging e tenho perfeita consciência que não podia fazer isso. Nunca podemos ser completamente livres. Há sempre condicionalismos. Mas será que existe liberdade só pela metade? Acabo por constatar que ser livre, não existe. Eu poderia querer ir nua para a rua, áquela hora da madrugada, mas se fizesse isso, iria certamente ferir o recato de alguns que se cruzassem comigo.

Eu acredito que há pessoas cuja mente está alcandorada no mesmo patamar da minha, mas infelizmente ainda há mentes malévolas, situadas em patamares inferiores, apegadas a princípios rudimentares. Temos que lhes dar tempo que cresçam e evoluam. Todos nós estamos em constante evolução. Nunca seremos perfeitos neste mundo. Estamos aqui para evoluír e aperfeiçoarmo-nos e eu tenho que respeitar a idiossincrasia de cada um, da mesma maneira que os outros, têm que respeitar a minha. Isto quer dizer que afinal nunca seremos livres, porque nunca poderemos fazer o que nos der na real gana.

É verdade que as mentes vão evoluindo e como tal, ascendendo aos escalões superiores, mas haverá sempre mentes em processo de formação. Temos assim, que obedecer a um circuito previamente delineado. E isto são regras. Regras que regem a sociedade em que estamos inseridos. Ninguém é livre, tendo de obedecer a regras. Mas no fundo também não podemos viver sem elas. Parece um paradoxo, mas realmente seria uma anarquia. Um reino sem rei nem roque e dar um passo em qualquer direcção, poderia ser demasiado perigoso, então para proteger a integridade dos cidadãos, foram criadas regras. Regras regidas pelos tribunais dos homens.

Os homens são seres humanos e como tal falíveis, susceptíveis de errar. Quantas vezes um inocente leva com a pesada sentença da culpa e um culpado é inocentado. Daqui depende muito a boa argumentação e exposição dos advogados de defesa, embora a decisão final seja do juíz.

Eu tenho a certeza que se eu fosse advogada, tecnicamente conseguiria defender um criminoso, inocentando-o, porque confio no poder de persuasão, da inteligência e da sabedoria. Contudo eu nunca faria isso. Nunca vou contra mim. Nunca vou contra aquilo em que acredito. Defendo acerrimamente as minhas crenças e convicções.

Apesar de haver tantas regras, cada vez mais elas são quebradas. Basta dar uma olhada pelo mundo e ver o número dos ataques terroristas a aumentar cada vez mais. O comum cidadão não está em segurança. É assustador. Chego á terrífica conclusão que vivemos num mundo injusto, onde impera a força do dinheiro e da maldade. É o dinheiro que comanda o mundo. Enquanto isso acontecer, a justiça, a tranquilidade, a paz, serão uma utopia. Um sonho, próximo ou longínquo, conforme o ângulo de observação, mas sem dúvida inalcansável. Aliás a justiça dos homens não existe. Só há uma força que comandaria o mundo lindamente. A força do amor. Mas quem está interessado em ver o mundo comandado pelo amor? Apenas o peixe miúdo, mas é o peixe graúdo que “bota faladura”

Esta foi a conversa que entabulei comigo própria á medida que caminhava. Eu gosto de conversar com as pessoas, mas se não tiver interlocutor, converso comigo, converso com as minhas plantas, converso com o meu gato. É importante fazer o cérebro trabalhar. A não utilização do órgão leva á atrofia como diz e muito sabiamente o grande naturalista francês e um dos maiores biólogos do mundo, Lamarck, apenas a par com Darwin. Este seu estudo, ficou conhecido como a Teoria de Lamarck.

As cores do nascer do sol desapareceram, para dar lugar á luminosidade branca do dia.

Regressei a casa. Meti-me novamente na cama. Ainda era muito cedo. Fiquei á tua espera. Adormeci. Quando tu chegaste, eu já dormia. Fiquei com pena de não te ver. Quando acordei, já tinhas ido. Senti falta do teu beijo, porque te amo.

©Maria Dulce Leitao Reis

Copyright 05/06/17

Maria Dulce Leitão Reis
Enviado por Maria Dulce Leitão Reis em 05/06/2021
Código do texto: T7272032
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