NOITE DE SÃO JOÃO


A noite, naquele 24 de junho, apresentava-se excessivamente fria, o céu límpido e estrelado prenunciava uma geada.

 
 
Eu estava na última série do ensino fundamental e no colégio onde estudava havia uma festa de São João, com direito a danças de quadrilha, quermesse e muitos comes e bebes; fartura de paçoca de amendoim, pipoca, pé de moleque, canjica, bolo de fubá, cocada, da branca e da queimada. Para beber e aquecer, quentão de vinho, perfumado com paus de canela, cravos e gengibre, diluído em água para que a molecada pudesse aproveitar. A quadrilha fora exaustivamente ensaiada com nossa professora, Dna Ivone e estávamos muito seguros de fazer bonito. Seu Gentil animava o ambiente com sua sanfona. Os pratos foram cuidadosamente preparados pelos pais dos alunos. Mamãe assou bolo de fubá em um tabuleiro que, muito compenetrada, levei para a escola.
 

Não tínhamos roupas caipiras, como as que hoje se encontram em lojas. Cada um improvisou. Eu usava um vestido xadrex ao qual mamãe costurou sinhaninhas e rendas. Botinhas de couro e um chapéu de palha desfiada, enfeitado com laço de fita vermelha, compunham o conjunto. Com lápis marrom ela me fez sardas sobre as bochechas rosadas de blush. O batom vermelho me deu ares de maior idade.

Pré-adolescente, aos doze anos, eu era vaidosa e faceira.  Meu par na dança foi o Ivan Goetten,  que devia ter a mesma idade. Meu colega de classe, morava com seus avós na mesma rua que minha família, em Curitibanos, no planalto catarinense. Éramos, ambos, muito tímidos e nos observávamos, furtivamente, sem dizer palavra.

Não sei que rumo na vida tomou o Ivan pois mudei de cidade para prosseguir nos estudos. Nunca mais o ví. Porém, naquela noite, personificamos dois caipiras. Nele, a vó pintou um dente de preto e seu sorriso banguela me parecia muito engraçado no rosto bonito. As calças de brim, remendadas nos joelhos e pela altura das canelas, de garoto que prometia ser bem alto, pareciam ter encolhido ao lavar.

Essa festa junina, a primeira de muitas que vi e das quais participei, está bem guardada em minha memória. A fogueira de nós e grimpas de pinho, que estalava e lançava fagulhas ao derredor, nos aquecia e alentava na noite gelada e tiritante. Deixou saudade aquele tempo de inocência e expectivas de vida futura.

Um velho amigo de meu pai, Seu Solon, esteve na festa com seus filhos e sempre que nos visitava, provocava-me, perguntando:
- Como vai o namoro com o Ivan? Pensa que não vi como olhava para você?
Eu ficava encabulada, minha face corava, mas a afirmação era falsa. Ivan e eu éramos apenas vizinhos, colegas de classe, muito jovens para sequer pensar em namoro. Éramos somente duas crianças, curtindo uma festa junina de interior, onde qualquer diversão era rara.


 
Aloysia
Enviado por Aloysia em 04/06/2021
Reeditado em 05/06/2021
Código do texto: T7271574
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.