Pequena Apoteose
Há muito sonhava com esse momento: via-me distante de tudo enquanto despedia-me do espelho que um dia me refletiu. A alegria chegara em minha vida: arriscava dizer que estava, finalmente, feliz. Soltava, aliviada, o ar que tanto prendi e sentia aquela escolha oxigenar a minha vida.
Por um segundo, os planetas alinharam-se e as orações ganharam força: o que estava acontecendo? Um cataclisma? Um carnaval? Desconfiava da imagem de Nossa Senhora Aparecida que comprara há alguns meses: não poderia ser uma simples coincidência, desde que ela fizera morada em minha casa, tudo se alinhara. Talvez, pensava, deveria confiar-me a ela e, aos poucos, sua esperança e a sua ternura se espalhariam por toda a sala, pelo quarto, pelos corredores.
Já não sabia como contar para os meus amigos, para minha família, para o meu namorado. Como explicar tamanha reviravolta? Por onde começar? Como traduzir tamanha felicidade? Com quem dividir esse sentimento tão clandestino e tão desconhecido? Sobre o que conversaria na terapia?
A verdade é que meu sorriso carregava consigo as inseguranças e o medo do futuro. Era tudo mentira! As tantas versões que criara para minha vida encontraram-se em uma que jamais cogitaria: aquela em que eu seria mais feliz. Súbito, tudo fizera sentido: os meus sonhos adolescentes me acompanhariam pelo resto da minha vida e a criança que sonhava um dia ingressar nas salas de aula sorria, tímida, por entre os álbuns de família.
Estava prestes a ser mestre, talvez até mesmo doutora. Mas em meio aos títulos e à academia, sentia-me, decerto, feliz. E, por entre livros e artigos, guardava em mim a certeza de que essa riqueza era gigante e que tamanha apoteose transformaria-me o coração.