E não se fala mais em Dom Casmurro...

- Professor, já que o senhor citou que Bentinho era ciumento, se fosse nos dias de hoje, ele teria matado Capitu?

- Provavelmente, respondeu para a aluna após alguns segundos de reflexão. – Por ser filho único, mimado e rico para os padrões da época. De ingênuo tornou-se um homem hostil. Hoje, com tantos conflitos emocionais que vivenciamos, até seus cabelos estariam envenenados. Uma paixão doentia. Exemplos com esse perfil não faltam: Doca Street, Pimenta Neves – assassinos que faziam parte de uma elite. Possessivos. Lembrou o professor.

Um dia após essa aula, o professor de literatura estava diante de um fato angustiante. Nas redes sociais o assunto era um só.

“Filho de professor universitário mata namorada a golpes de tesoura.” “O jovem, preso em flagrante, é de classe média alta”.

Classe média alta... Quem dera! Talvez perto disso se o tratamento de anos com a depressão da esposa (que acabou em tragédia) não tivesse tragado boa parte de seus ganhos.

Após a viúves, tentara alguns relacionamentos amorosos, mas as incompatibilidades eram gritantes. Os tempos são outros. A liberdade feminina o aprisionava, dizia para amigos. “O ser humano é um animal imprevisível e de difícil convivência”, repetia.

E agora seu filho atrás das grades por um crime que ele repudiava. Uma moça bonita, de família nobre em quem depositara a esperança de um futuro melhor para o filho um tanto rebelde e órfão de mãe aos 12 anos.

- Entretanto, tivesse ou não razão, Bentinho agiu com serenidade e, após a separação, soube administrar sua solidão. Mas lembrem-se: eram outros tempos. Concluiu o professor.

Doravante, aulas sobre análises de Dom Casmurro não estariam mais em seu currículo. Definitivamente.