A BARATA E O SALAFRÁRIO

Bem, nem sempre devemos escrever determinado assunto para não trazê-lo à tona em nenhum momento das nossas vidas, e nem das vidas de ninguém! Mas, data vênia, em algum momento, qualquer fato escrito em forma de crônica, ou até mesmo em forma de relato, mesmo cheio de metáforas, poderá ser muito engraçado, dependendo do ponto de vista ou da ótica de quem por ventura resolver perder tempo para lê-lo.

Até o final do ano de 1979 em Santa Maria da Vitória, na maioria das suas casas com seus respectivos moradores, havia o costume de tomar café na hora do jantar! Ao invés do tradicional arroz, feijão, as misturas tradicionais, o café era normalmente acompanhado de cuscuz, ou pão com manteiga, ou bejú de tapioca, ou bolos diversos, ou biscoitos diversos, de vez em quando uma farofinha de carne etc etc etc.

Para acompanhar os costumes da cidade as padarias de dona Anita e de Dona Áurea já colocavam os pães para serem assados na madrugada, para atender os horários dos desjejuns da primeira metade do dia e à tarde as fornadas para atenderem os muitos jantares com café e pão.

Também em meados dos anos 1970 tanto o Colégio Comercial, o Colégio Maçônico e o Colégio de Dona Rosa , iniciavam as suas aulas às quatro da tarde e dando intervalos das seis e quinze às sete horas da noite. Era um intervalo para os alunos irem até as suas residências jantarem e retornarem para os restantes das aulas. Depois os horários foram mudando para adaptarem às demandas dos colégios.

Na primeira metade dos anos 1970 eu morava na casa de Vó Lindaura, situada à Rua Ruy Barbosa e Tia Ruth costumava escrever as obrigações de cada morador no que tange aos serviços domésticos. Sílvia normalmente dava uns perdidos nas atividades e de vez em quando Detinha também. Resultado: Acabava sempre sobrando para Sara, pra Lurdinha enquanto esteve conosco e para mim.

Você deve estar se questionando onde entra o título desta história. Calma já iniciarei o relato agora mesmo, já que tudo o que foi escrito anteriormente foi apenas para dar coragem ou desistir de continuar esta crônica.

Nos intervalos das aulas ficava a cargo das meninas fazerem o café, o beju, o cuscuz, ou preparar o pão . Às vezes na nossa janta habitual tínhamos leite de gado, que era sempre comprado de vez em quando na dona Nana de Reinaldo ou Nadir de Dízio.

Houve uma época que tinha Nenzinha deu uma certa quantidade de leite ninho que era sobra da merenda do Colégio, e Tia Ruth controlava sempre a quantidade a ser usada no café e na janta. - Controlando nunca faltará, dizia.

Eu era o responsável para fazer a pasta do leite e depois colocar água quente. Em suma preparar o leite era da minha inteira responsabilidade e eu era um dos que mais gostava do leite ninho e de fazer também, porque eu podia comer uma pequena quantidade, já que não podia desfalcar a quantidade.

Era uma tarde de verão daquelas cheias de mormaços e quentes em demasia e eu estava na cozinha, justamente preparando o leite ninho que seria servido no jantar, por um descuido eu deixei a vasilha com o creme do leite pronto para colocar a água quente, dei uma pequena saída e ao retornar tomei um grande susto!

O creme do leite estava amarronzado! Mas não tínhamos Toddy em casa. Toddy era luxo para as casas mais abastadas. Nem existia o tal de Nescau! E nem Toddy e nem Nescau mexem. Na verdade eram duas envernizadas de tamanho de médio pra grande.

Meu coração gelou! E agora? Se eu avisar e ter que jogar fora e pedir mais uma porção, com certeza Vó Lindaura e Tia Ruth se transformariam no Padre Vieira e eu ia ter que ouvir muitos sermões. Entre ouvir os sermões ou não, tirei as duas aladas, joguei no buraco da pia, terminei de fazer o leite e fiz supositório da minha língua.

Na hora do jantar, depois da oração de agradecimento pelo alimento, prática normal na nossa casa, assim que alguém terminou a oração e logo depois do amém já fui logo dizendo: Estou com dor de barriga e hoje não quero leite, só café!

- Estranho¹ Disse alguém. Você adora este leite e hoje não quer! Café também não é bom pra dor de barriga. Falou mais alguém ali ao redor da mesa.

Na verdade todos jantaram dentro da normalidade sem suspeitar de nada, e eu com o pesar, não pelo omissão, mas por não poder tomar café com leite que de fato eu adorava pra caramba.

Daquelas pessoas que estavam naquele jantar, Sílvia, Tia Ruth, Vó Lindaura já partiram deste nosso mundo. Sara, Detinha, Raquel e eu , que fizemos parte daquele jantar, ainda estamos por aqui , mas daqule leite onde duas baratas aladas que se acidentaram dentro dele fui o único a não tomar.

Nesta história quem seria o salafrário dela? As baratas ou o autor deste texto que vos fala?

João Cambão