Eu não sabia pronunciar Goethe
Se existe uma coisa que me orgulho, de peito inflado, é meu autodidatismo. Porém, aquela foi a primeira vez que um hábito despretensioso tinha me colocado numa armadilha. Não. Pior! Numa tremenda saia justa.
Montem a cena em suas mentes. Eu, toda metida a besta, com vários textos publicados, me coloquei à frente dos colegas de andanças literárias que estavam naquela videoconferência e iniciei a leitura da noite: uma anedota sobre gatos, Goethe e Rubem Braga escrita por uma de minhas cronistas prediletas, Yve – a nordestinalemã.
Tudo estava indo bem, até a mediadora do grupo pedir para eu pausar a leitura em um tom de angústia, daquelas que nos visita em uma sala fechada, cujas pessoas são formais demais pra rir quando sentem um mal cheiro de peido. Mas, eu, com a mão toda amarela, fui a última a sentir. Algo fedia a engraçado no ar.
O colega, do quadrinho ao lado, retomou a análise textual pronunciando sílaba a sílaba o nome do romancista Goethe. Um abismo se abriu. Engoli a seco. Parecia que todas minhas leituras e releituras de Fausto tinham caído por terra, ou seria uma armadilha de Mefistófeles?
Imaginem quantas vezes uma alemã radicada no Brasil escreveria Goethe em um texto. Então... foi a quantidade de vezes que falei Goédi. Quem seria Goédi? Um Zé ninguém! Desses que não merecem nem uma nota de rodapé. Mas, ele esteve presente em mim, até hoje, e tudo por conta do meu autodidatismo. Mas, pasmem. O pior ainda estava por vir.
Na manhã seguinte, sai feito criança, pedindo para cada um de meus parentes lerem aquele nome alienígena, por pura mangofa. Ouvi desde fonéticas da língua inglesa a um cearês debochado, seguido de risadas de ambas as partes, até que cheguei em minha sobrinha de nove anos:
“Lais, tu sabe ler esse nome aqui?” Fui encarada com uma expressão de paisagem. Ela acertou-me na fronte, sem misericórdia, com um “Ok, Google”. Sílaba por sílaba saíram de sua boca, igualzinho aos meus colegas que moraram na Alemanha, até melhor que Yve (aquela comedora de rapadura) com direito à deglutição do Goe na garganta: “Goethe, tia Andréa.”