Grafiteiros e trem-bala (*)
(*) Nem tudo são flores no Planeta Jardim - Crônicas de um futuro possível
APIABÁ (20.8 S, 47.5 O), 29/11/3.314
Amanhã terei que participar de uma sessão do Conselho Comunitário Geral. Privilégio dos sexagenários, que não fazem tanta falta no trabalho pesado...
Na pauta, pela manhã, está a autorização, ou não, para os “grafiteiros”, artistas que pintam suas obras nas paredes das casas. Desenhos coloridos nos muros e paredes das casas é um costume antigo, que alguns desaprovam, outros gostam tanto que constroem suas residências com a parede frontal sem portas ou janelas, para que ali os artistas façam seus “grafites”. Em nossa região o costume andava esquecido, mas apareceram alguns artistas que foram “grafitando” casas onde quer que fossem autorizados pelos moradores.
Acontece que o trabalho deles não sai de graça. Há o custo de manutenção dos artistas e dos materiais que utilizam, e esse custo recai sobre a comunidade inteira, pois os artistas se alimentam nos restaurantes comunitários, ocupam residências como se fossem suas, e se abastecem de tintas, equipamentos, roupas etc. nos armazéns da cidade. A retribuição que eles dão à comunidade é a beleza de suas obras, mas não há consenso sobre o valor dessa beleza.
Eu particularmente sou favorável aos “grafiteiros”, embora nem sempre seus estilos me agradem. Toda arte é bem-vinda. É da natureza humana criá-la e apreciá-la. A arte é o caminho imponderável pelo qual se desenvolve a criatividade. Além disso, se os músicos têm carta branca para o exercício das suas atividades, porque os “grafiteiros” também não a têm? Quando a arte serve à comunidade é um bem duplamente público e portanto não há mal em ser financiada pelos cofres públicos. Mas há quem não concorde. Falam como se fosse faltar comida na sua mesa.
Durante o Conselho, defenderei esse ponto de vista, mas se perceber alguma tendência contrária mais forte vou propor que as pessoas sejam autorizadas a usar seus créditos particulares para o custeio dos artistas. O proprietário de cada residência pagará aos "grafiteiros" uma determinada quantia de créditos, e, se o proprietário consentir no uso da sua parede mas não quiser pagar, o artista poderá procurar quem pague. Assim, todos ficam satisfeitos (e tranquilos quanto à fartura de suas despensas) e será justo que os artistas formem uma poupança de créditos pessoais, como é direito de qualquer cidadão vivente.
À tarde o assunto será o investimento em ferrovias. Está em discussão um projeto continental de utilização de tecnologia avançada para um futuro próximo. O "trem-bala" depende de o consórcio OPT-OPEN concluir sua fábrica de motores de antigravidade parcial. Com eles, os comboios serão mais rápidos, o consumo energético cairá dramaticamente e será possível até gerar energia solar diretamente nos comboios, e os trilhos necessitarão de muito menos manutenção.
Acredito que, por hora, é melhor não sonhar demais. Estive conversando com os engenheiros do Cubo, que me deram acesso a um projeto de renovação e ampliação da malha ferroviária regional com tecnologia tradicional. Vi os cálculos de custo-benefício, e pareceu-me que a cidade inteira só terá a ganhar com a implantação de novos ramais e a compra de novas locomotivas e vagões com a tecnologia tradicional.
Vou sugerir que se iniciem logo as obras do ramal noroeste, que o projeto regional fique para depois, e que o “trem-bala” aguarde o futuro. De qualquer forma, um dia o ramal noroeste terá que ser construído, pois as safras daquela área inteira (quase 100 quilômetros quadrados) há décadas reclama um transporte mais econômico. Podemos começar com a construção das pontes e muros de arrimo, cortando recursos comunitários de outras “prioridades” como a renovação da frota de automóveis.
Se pela manhã não prevalecer o financiamento público dos “grafiteiros”, o que é quase certo, pois temos conselheiros "conservadores" que confundem suas preferências com a vontade divina, à tarde, quando estivermos discutindo o ramal noroeste, se alguém duvidar da nossa disponibilidade de recursos para essa obra, direi que poderemos usar os créditos públicos que economizaremos deixando aos particulares o pagamento dos artistas. Já estou imaginando um certo conselheiro bufando de raiva.