O Amor
Olhara. Nem sequer era perfeito o rosto longo onde pontificavam, intensos, dois olhos de cor indefinida. A boca era estranha, cheia de muitos dentes perfeitos que, a cada passo, se mostravam. Quem muito ri sabe que tem dentes bonitos, pensou. Pouco siso dissera-lhe a avó alheia a tudo o que respeitasse a atracão entre sexos. Do seu tempo lembrava outras coisas e talvez mesmo se não recordasse de como fizera os filhos, como os tivera, que passos tivera de dar para os acabar fortes, honestos, bem na vida. O tempo delira tudo e muitas coisas ela inventava para ter o que dizer. Ai o amor, o amor… As pessoas muitas vezes casam sem se conhecerem e outras acham que sabem tudo e concluem, mais tarde, que se juntaram a alguém estranho que só depois azedara, mostrara garras, rompera e rasgara os dias amassando-os de ódio e raiva. - Vou ter cuidado, prometera, mas quem se cuida quando sobe por nós o calor de ver, de saber, de sentir o amor chegar para baralhar o jogo e nos arrastar para as zonas em que nada, mesmo nada, nos trava? Olhou outra vez. Que raio de fascínio tinha a criatura, que força lhe enviava, o que era que sem palavras, entre nadas, lhe dizia? E os olhos fugiam para voltar a ver coisas sem interesse, mundo apagado, outra gente incomparavelmente inferior. De novo o fogo dos olhos, os dentes branquíssimos, a boca que adivinhava quente. Não havia grande beleza por ali, constatava, mas havia um par de olhos de cor indefinida, uma boca que, com certeza, faria lindas todas as palavras e, ainda, o sorriso que sem dizer lhe pedia: beija-me.