Salutem per cooperante (*)
(*) Nem tudo são flores no Planeta Jardim - Crônicas de um futuro possível
APIABÁ (20.8 S, 47.5 O), 05/06/3316
Depois de três semanas longe de casa, retorno à escrivaninha. Estive fazendo tratamento de saúde em um SPC (salutem per cooperante) localizado 20 quilômetros a Sudeste de minha querida Apiabá.
Fui lá mandado pelos médicos do centro de saúde, para curar umas “perebas” que surgiram na minha pele e que eles diagnosticaram como alergia.
O lugar é muito bonito e tem uma atmosfera ótima. Foi construído ali um conjunto de fontes, piscinas, saunas e banhos que se poderia e chamar “salutem per aquam”, como os SPAs da Roma antiga. É um paraíso, no entanto as instalações demandam muito trabalho de conservação, sem contar os cuidados com os pacientes que chegam diariamente. Para manter tudo sempre em ordem, além da equipe de especialistas em saúde é necessário um grande número de pessoas cuidando da limpeza, conservação, abastecimento, cozinha, lavanderia, jardinagem etc. etc.
Eu ainda não conhecia um SPC, e fiquei impressionado com seu sistema de funcionamento. Quem chega para tratar da saúde passa os primeiros dias apenas recebendo cuidados e fazendo a desintoxicação. Recebe banhos e refeições estritamente medicinais, passeia pelos arredores, sozinho ou em grupos, como preferir, tem um alojamento individual. Passa por entrevistas com vários especialistas da saúde, que investigam sua vida minuciosamente, à procura de causas de doenças sintomáticas ou potenciais. Somente após o diagnóstico definitivo, deliberado em conjunto pelos especialistas, o paciente recebe a medicação, que em geral são preparados potencializados, produzidos ali mesmo por especialistas em farmacêutica.
Quando o paciente começa a melhorar, é transferido para os alojamentos coletivos e é convidado a ajudar na operação do SPC. Acredite, depois de três ou quatro dias sem fazer nada, somente sendo paparicado pelos profissionais, qualquer um aceita de bom grado qualquer serviço que seja convidado a fazer, apenas para fugir ao tédio. Assim, parte do tempo do paciente é dedicado aos cuidados médicos, parte ao trabalho no SPC, que passa a ser um lar provisório.
Quando o paciente recebe alta definitiva, é sua obrigação permanecer no SPC por um certo número de dias. Se quiser, pode ficar mais tempo, por conta própria, agora trabalhando da manhã à noite na conservação do lugar que, como já disse, exige muito trabalho e o quadro permanente de funcionários é sempre reduzido, muito aquém do necessário. É obrigatório também ajudar no cuidados aos pacientes em processo de cura, ministrando-lhes os banhos, preparando suas refeições. Esse trabalho é o pagamento pelos serviços médicos recebidos.
Doações em créditos de horas-almas também são aceitos, mas nunca substituem a obrigação de trabalhar no SPC durante o tempo estipulado por seus diretores. Quem quiser, pode doar, e as doações são sempre bem-vindas, mas não desobrigam do trabalho. Quando perguntei por quê, a explicação já estava pronta: para merecer cuidados na doença, é justo que a pessoa cuide da saúde dos outros. E também é fundamental que qua aprenda a cuidar da própria saúde. Por isto boa parte do trabalho no SPC é na cozinha, onde a alma curada aprende a fazer a comida apropriada para a conservação da saúde.
Enquanto se encontra em um SPC, se desejar, a pessoa pode também participar de cursos de Enfermagem, Medicina e Farmacêutica, se houver vaga disponível. Sempre há algum curso em andamento sobre alimentação curativa, noções de medicina preventiva e coisas assim, interessantes para qualquer alma conhecer e aplicar no dia-a-dia. Eu não sabia, mas os cozinheiros dos restaurantes comunitários de qualquer cidade obrigatoriamente fazem cursos de culinária medicinal em SPCs, ou em escolas que possuam professores especialistas nessa matéria, sendo que a origem desses conhecimentos é sempre um SPC. É assim que são conservados e aperfeiçoados os conhecimentos da Medicina, Enfermagem e Farmacêutica de uma rede de Medicina e cura que abrange todo o continente.
Meu tratamento durou cinco dias, porque a alergia foi curada em três, mas os médicos resolveram tratar também minhas dores de coluna e inflamações nas juntas. Em razão da minha profissão de pedreiro, sempre fiz grandes esforços físicos, porque um cortador de pedras, em qualquer pedreira, está sempre movimentando grandes blocos, e o próprios instrumentos, como o bisturi ultrassônico, por exemplo, são pesados e desajeitados. A coluna vertebral de um pedreiro é sempre seu “ponto fraco” e todo cuidado é pouco para não causar-lhe danos. Aliás, não conheço sequer um pedreiro que não tenha desenvolvido algum tipo de lesão na coluna. Depois, com a idade, vêm as inevitáveis artrites e artroses. É o preço que se paga pela escolha de uma profissão leve para a alma mas pesada para o corpo.
Em cinco dias ainda sentia dores, mas já tinha aprendido tudo quanto devo saber para cuidar melhor de meu esqueleto, e tive que ficar por lá mais cinco dias trabalhando. Senti-me tão grato que pedi permissão para permanecer quinze dias trabalhando, o que foi concedido porque, afinal, em um SPC, onde sobram ciência, compaixão e altruísmo, o que mais falta é gente para trabalhar.
Além de retribuir com trabalho pelos serviços recebidos, eu pretendia treinar bastante os exercícios de alongamento e fortalecimento muscular, necessários para completar e manter a saúde das minhas articulações, coisa que negligenciei durante toda minha vida até hoje. Aprendemos esses exercícios durante o Serviço Obrigatório, mas geralmente relaxamos depois que começamos a trabalhar pra valer em lugares como pedreiras, fábricas e obras de construção. Na juventude nos sentimos indestrutíveis, e somente descobrimos que não o somos depois que os anos passaram e nos aproximamos dos sessenta anos de idade.
Minha estadia no SPC foi memorável, verdadeiro privilégio que uma alergia e a dor nas costas me proporcionaram. Bendito seja Deus.
(*) Paratiba (22.5 S, 46.6 O) 20 km a Sudeste em linha reta a contar de Apiabá.