A assinatura virou garrancho pela honra do pai
Cícero do Valle acabou se endividando com Getúlio, seu fornecedor, por conta do feijão que plantou tarde em razão da visita ao ex-cunhado em outro estado. A chuva não veio na hora certa, e quando veio foi em demasia. A dívida andava perto de um mil cruzeiros e todos na cidade sabiam. Menos a mãe. Getúlio não guardava segredo. Mas ele sempre honrou compromisso e não iria manchar o nome do falecido pai.
Nagib, o turco - na verdade libanês -, agiotava. Nunca perdeu um tostão sobre o combinado e estava à espera de Cícero.
Se Cícero tinha dívidas, tinha capital. O pequeno sítio e quase 100 cabeças de gado em sociedade com o ex-cunhado no estado vizinho. Mas não estava na hora de vender. Pelo menos era o que Cícero alegava.
À noite, e sem testemunhas, Cícero chegou e nem deu tempo de explicar o motivo da visita.
- Precisa de mil cruzeiros, não é? Muito dinheiro. Adiantou-se Nagib.
- Preciso é de 3 mil. Por 90 dias. Um mil devo para o senhor Getúlio que vem nos dando crédito há mais de 30 anos, ainda com papai vivo. Os outros 2 mil são para comprar suprimentos para o gado.
Nagib olhou desconfiado e disse sem meias palavras.
- Não estava disposto a lhe emprestar 1 e você pede 3... O que tens em garantia? O sítio é de sua mãe...
- A honra de papai e 100 cabeças de gado que me renderão uma boa quantia quando ganharem peso.
- Meu juro é 8% ao mês.
- O senhor cobra 6, às vezes até 5%. Por que pra mim é 8? Pago 6%.
Depois de muita troca de olhares Nagib se rendeu. Cícero leu com atenção e assinou demoradamente a duplicata com o juro embutido. Pela manhã foi pagar Getúlio diante de diversas testemunhas. A dívida era menos do que ele andou espalhando.
Deu para a mãe mil cruzeiros. O suficiente para se manter por alguns meses e processar Nagib se ele insinuasse alguma coisa. Aquele garrancho não era sua assinatura registrada em Cartório. Embora duvidasse que Nagib confessasse uma derrota.
E de posse de um pouco mais de mil cruzeiros foi comprar nutrientes para o gado que nem o ex-cunhado sabia que existia.