FOI BOBICE?
Não posso dizer que eu era um inexperiente na cidade grande, no caso a São Paulo dos anos sessenta, porque eu já estava lá há quase um ano e já conhecia relativamente bem o centro velho, os principais bairros da zona norte, tais como Santana, Tucuruvi, Imirim, Casa Verde,Santa Terezinha e Lauzane e ainda de cor e salteado as estações do trem de subúrbio entre a Luz e Santo André, onde morávamos.
De Santo André eu também conhecia muito bem muitos bairros além da parte central, já que para engraxar sapatos, vender sorvetes e eventualmente vender mandioca, que meu pai plantava nos arredores da casa, que era a última do bairro, metida na imensidão dos manacás e restos de eucaliptos, vingados de uma antiga plantação destinada à indústria de papel, era preciso caminhar muito e não temer as gangues de meninos que entendiam ser os donos dos lugares onde moravam.
A verdade é que eu então estava, pela primeira vez “bem” empregado. Comecei a trabalhar na feira livre em uma barraca de roupas.
Nada de registro em carteira ou direitos que eu nem imaginava existirem. Era um emprego de salário minguado mas uma grande coisa pra mim.
Os pontos das feiras durante a semana eram em bairros dali de Santo André, aos domingos era no bairro do Taboão, próximo ao zoológico e da Willys Overland do Brasil, que depois se tornou Ford do Brasil.
Naquele primeiro domingo eu perdi a hora. Precisaria estar na casa do patrão antes das quatro da manhã e não acordei para isso. Não sei o motivo para não ter acordado, existiam tantos que nem me recordo qual. Não tínhamos relógio, nos orientávamos pelo rádio, quando tinha energia elétrica, que muitas vezes era cortada por falta de pagamento, comum acontecer onde de vez em quando também não tinha o pão para o café.
Não iria perder aquele emprego. Entendi que iria de qualquer forma chegar ao local da feira, mas não tinha ideia de como, de que condução tomar. Fui para o centro da cidade e alguém me disse que o bairro Taboão era no município de Diadema, não existia ônibus direto para Diadema, fui para São Bernardo do Campo, de lá tomei o ônibus para Diadema, de onde tomei outro ônibus que finalmente me levou ao Taboão. Foram quatro ônibus diferentes para chegar ao trabalho com mais de quatro horas de atraso.
Todos ficaram surpresos com a minha chegada, ninguém faria o que fiz. O patrão riu e disse que eu deveria ter ficado em casa, mas tenho certeza que valorizou a minha atitude.
Talvez tenha sido mesmo uma grande bobice minha, mas me justifico, pois sei como cada centavo era importante lá em casa naqueles tempos.
Não sei se paguei aqueles ônibus, pois quase nunca tínhamos o dinheiro da passagem, pular ou passar embaixo das catracas era um recurso bem comum.