A lenda do "Não-me-toques"

A LENDA DO “NÃO-ME-TOQUES”
Miguel Carqueija

Em criança eu já gostava de ler muito e, em especial, contos de fadas e fábulas. Foi quando conheci autores como Malba Tahan e Thales Andrade, que marcaram minha vida. Também li as famosas “Histórias da Carochinha” e os “Contos do Cônego Schmidt”. E em alguma altura da minha infância deparei com a história do “Não-me-toques”.
Não foi nenhum livro que me tenham dado de presente. Minha mãe gostava de visitar pessoas amigas (naquele tempo existia o costume de visitar) e me levava junto. E eu, se pudesse, pegava algum livro do local e ficava lendo enquanto mamãe conversava. Acredito que foi numa dessas ocasiões que conheci essa curiosa fábula. Talvez estivesse no “Tesouro da Juventude”. Afinal, lá em casa nunca tivemos o “Tesouro da Juventude” que por constar de vários volumes de capa dura e tamanho de álbum, o preço devia ser proibitivo para meus pais. Ou podia estar em outra coleção monumental que também existia e cujo nome já esqueci.
O fato é que não sei em que obra encontrei essa lenda, e nunca mais a reencontrei, nem sequer referências à mesma.
Era um tipico conto de fadas europeu medieval. O Não-me-toques era uma criatura fantástica, um animal que falava e que conhecia segredos importantes, mas que era totalmente avesso a falar com seres humanos, dos quais fugia tão logo os avistasse, pois não queria que o tocassem. Não lembro que aparência tinha o Não-me-toques, mas ele era descrito no texto. Provavelmente havia alguma princesa, não posso afirmar. A lembrança dos detalhes se foi como fumaça. Só lembro que os personagens precisavam fazer uma pergunta ao Não-me-toques mas tiveram de cercá-lo e só assim ele se dignou a responder. Era uma típica trama de final feliz.
O tempo passou, eu cresci e envelheci, mas nunca esqueci a singular figura do Não-me-toques. E vim a descobrir, ao longo da vida, que existem pessoas não-me-toques. Aquelas que não querem de jeito algum ser “tocadas”, isto é, contrariadas em suas opiniões ou conveniências. Com tais pessoas a melhor política em geral é evitar contato. Se o primeiro contato é desastroso revelando ser tal pessoa do tipo não-me-toques, melhor evitá-la dali em diante.
Aqui no Recanto das Letras, nesses oito anos, esbarrei com algumas pessoas não-me-toques, em vários graus de intolerância. Ora, quando eu entro no campo de comentários de alguém, mesmo que seja para discordar de algum ponto, faço o possível para ser educado. Mesmo assim recebi respostas furiosas, a ponto de postarem desaforo no meu próprio campo de comentários em matéria que não tinha nada a ver (claro que eu apaguei). Mas o pior é que até elogios que eu fiz, concordando com o texto, umas quatro vezes aconteceu de me responderem com quatro pedras na mão. Aparentemente eu havia entendido mal alguma coisa e feito elogio que não foi apreciado.
Também fui bloqueado várias vezes. Não contando os bloqueios acidentais, que acontecem no celular por toques involuntários, e que eu pude esclarecer, alguns bloqueios reais aconteceram. Talvez uns sete ou oito que pude constatar. Na maior parte das vezes pessoas que eu mal conheço, e até esqueci seus nomes, nem sei se ainda estão no Recanto. Uma ou outra exceção a essa regra. E no entanto eu nunca tive desavença com qualquer recantista. Não vejo como desavença a simples discordância em algum assunto, até porque não existem no mundo duas pessoas que pensem igual em tudo. Mas mesmo que não tenha havido desavença, me bloquearam.
Convém esclarecer que essas pessoas não foram bloqueadas na minha escrivaninha e, em tese, podem aparecer a qualquer momento nos comentários de minhas matérias. Eu não lembro o nome de todas mas isso é irrelevante: como eu não cultivo o hábito de retaliar, todas elas podem comentar e quase certamente seus textos serão liberados. Até hoje, desde que comecei aqui em maio de 2013, nunca bloqueei ninguém nem mesmo acidentalmente (sempre confiro o campo “usuários bloqueados”).
É verdade que faço moderação. Não fazia, mas fui obrigado a adotar esse critério até por respeito aos leitores, depois que apareceram umas baixarias que eu tive de apagar. Porém, o fato de alguém ter me bloqueado não é motivo para mim, de vetar o comentário. Só deixo de liberar em três casos: 1) falta de respeito; 2) palavreado sujo; 3) falta de foque, ou seja, ignorarem o que eu escrevi para tratarem de outro assunto. Mas bloquear a pessoa eu não bloqueio, e espero manter sempre esse critério.
Afinal de contas eu não sou do tipo não-me-toques e na minha escrivaninha as discordâncias são bem-vindas.

Rio de Janeiro, 16 de maio de 2021.


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