Enquanto Olho a Janela do 11° Andar

Há uma rua que pulsa dentro de mim, vista do 11° Andar.

Os olhos turvam quando a vejo; há algo intrínseco que não consigo explicar.

Árvores ziguezagueiam, esquerda e direita num verdor lustroso, quase invernizado.

Parece que toda noite passada, lá choveu.

O frescor do orvalho é a festa dos jasmins no canteiro daquela velhinha; lá é sempre uma tarde convidativa.

As crianças sentem o pulsar da tarde convidativa nas veias, as pernas pipocam: papais estão para chegar do trabalho: querem gozar a tarde e os colos.

O sol crepuscular agoniza, lindo como o Amor em tons corais; e os passarinhos banqueteiam alegres, nas copas das árvores, feito italianos em dia de festa.

Sons, sonidos, eu também agonizo, juntamente com o sol.

A rua sem nome.

Talvez se eu descesse ao térreo, e fosse até lá, não teria o mesmo sabor. Quero a lembrança que fica, vista lá de cima, daquela janelinha semi-aberta da lavanderia.

O início da rua é demarcado por duas ruas antes do hospital. Há uma casa com tantas folhagens no início, do lado esquerdo. Ouso sonhar: quem me dera se minha avó morasse lá.

Mas a rua dos sonhos, trazia o mesmo prazer que casa de avó. Minhas avós já partiram, assim como minha maior saudade e arrependimento, também partiu.

Estou no início da rua. Minha maior saudade vem do outro lado.

Cristo vem entre os montes, e ele, no fim da rua. Esconde-se entre as árvores com olhar maroto de esquilo; adora ver tudo aquilo que escondo com olhos fugidios.

Meu oceano fervilha.

Vanila e madeira, verde e azul apontam o meu melhor sorriso. Canelas finas e sobrancelhas grossas, olhos inesquecíveis feito céu outonal; calmo, porém, não estático. Trombei com um sol de carne, onde o sorriso repercute a eternidade da beleza dos olhos.

Deus e as surpresas clandestinas, sorte de quem as encontra.

Talvez o meu maior sorriso passou por lá. Hoje passarinha nas nuvens, no colo do Eterno.

Enquanto isso gotejo. Parte do orvalho noturno também sou eu.

Há cortinas que balançam com o vento da tarde. Pés descalços e senis no chão, piano, pincéis e um vaso com florzinhas azuis na escrivaninha. Bigodes chineses bem acentuados na face, varizes por toda a parte.

Faíscas de pão dentro da pia, estômago inebriado de café.

Olha lá eu no futuro, com a rua do 11° andar pulsando. Coisa que o velho Rubem dissera:

" O jardim de dentro acende, quando encontra o de fora". Um quadro adormecido que eu acendi com os olhos. Eu fui um farol, lá do 11° andar.

Poeta de Borralho
Enviado por Poeta de Borralho em 15/05/2021
Reeditado em 28/06/2021
Código do texto: T7256324
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