A dieta de Ziraldo

Primeiro, por recomendação da mulher, de alguns amigos e do restante da torcida do Flamengo, procurou um clínico geral. O médico auscultou-lhe o coração, aferiu-lhe a pressão arterial e, em seguida, pediu-lhe, com urgência, alguns exames de sangue, urina e fezes. O jovem, obeso, de acordo com a opinião empírica da esposa, dos amigos e do restante da torcida do Flamengo, realizou os exames, na rede particular, e tomou por conta as despesas pecuniárias decorrentes dos procedimentos clínicos, uma vez que o generalista tinha lhe recomendado pressa na entrega dos exames.

O jovem, de apenas cinquenta e cinco anos de idade e 110 quilos, voltou ao médico, entregou-lhe os exames e, ansioso, aguardou a análise do especialista generalista. O médico voltou a auscultar-lhe o coração, aferir-lhe a pressão arterial. Finalizado o ritual, o clínico sentou-se, endireitou a coluna e apurou a vista em direção aos papéis; abriu-os e leu-os cuidadosamente uma, duas, três vezes; por fim, ergueu os olhos e a atenção ao paciente, divulgou o resultado:

– Bem, senhor Ziraldo, seus exames clínicos estão dentro da normalidade, mas... verifica-se a presença de esteatose hepática. Afora os 110 quilos.

– É grave, doutor?

– Bem, oriento o senhor a estar procurando um nutricionista para que possa estar lhe acompanhando e recomendando o tratamento pertinente ao caso. Está bem?

Ziraldo despediu-se do generalista e seguiu a recomendação, a segunda.

O nutricionista atendeu-o muito bem, olhou-o muito bem, ouviu-o muito bem; mediou-o, pesou-o, circunferenciou-o muito bem; e ao fim da vistoria física e psicológica, o paciente lhe entregou a recomendação e os exames já observados pelo clínico. Após breve folhear, o nutricionista chegou à conclusão de que a gordura no fígado do senhor Ziraldo não era caso de alarde por parte da ciência em geral e, da nutrição, em específico. Quanto aos 110 quilos, à luz das boas práticas nutricionais emanadas pela OMS, recomendou-lhe uma dieta rigorosa, à base de verduras verdes e maduras; frutas, sem distinção de classe ou cor; ingestão abundante de líquidos de todas as espécies, desde que potáveis, exceto álcool; atividades físicas diurnas e noturnas; por derradeiro, ao escutar as alegações do paciente, percebeu no semblante do senhor Ziraldo certo indício de apatia e desânimo, o que lhe ensejou aconselhá-lo a procurar um psicólogo, a fim de que o especialista pudesse avaliar, com mais intensidade e cuidado, seus pontos de vista individuais e coletivos.

O senhor Ziraldo, então, atendeu à recomendação do especialista nutricionista, a terceira.

No horário e data agendados, lá estava ele, à sala de espera do psicólogo, em um consultório público, vinculado ao SUS. O analista o atendeu com presteza e solicitude, características gerais desses especialistas. Fez várias perguntas ao senhor Ziraldo: perguntou-lhe sobre sua infância, sua relação com os pais, sua profissão, seu estado civil, sua escolaridade, suas aspirações, suas decepções, seus temores, seus hobbies e, em síntese, quis saber do senhor Ziraldo a razão da visita. O jovem Ziraldo estranhou a pergunta. Afinal, depois de responder a todo o questionário, havia aquela pergunta derradeira e de difícil resposta. O senhor Ziraldo emudeceu. O analista avaliou o questionário e o silêncio e achou por bem recomendar Ziraldo a um psiquiatra, para possível tratamento medicamentoso.

O obstinado paciente, mais uma vez, acatou a orientação, a quarta.

A visita ao psiquiatra se deu em uma sexta-feira, Ziraldo não simpatiza com sextas-feiras, mesmo desconhecendo o porquê. “Logo em uma sexta-feira, moça? Não tem disponível outra data não para a consulta?”, perguntou à atendente do SUS quando da marcação da consulta. “Não. Está é a única vaga disponível, e previsão de outra só daqui a seis meses...”. Ziraldo aceitou, resignado.

Chegou cedo à consulta. O psiquiatra atendeu-o muito bem, olhou-o muito bem, ouviu-o muito bem, como geralmente procedem todos os psiquiatras. Em seguida, incentivou Ziraldo a abrir um longo solilóquio a respeito de sua infância, sua relação com os pais, sua profissão, seu estado civil, sua escolaridade, suas aspirações, suas decepções, seus temores, seus hobbies e, em síntese, ao fim e ao cabo, encerrou o solilóquio e quis saber de Ziraldo a razão da visita. Desta vez Ziraldo não emudeceu:

– É minha mulher, alguns amigos e o restante da torcida do Flamengo, doutor. Dizem que estou gordo. Com o perdão da palavra, doutor, penso que estão loucos. O que o senhor acha?

– Acho que você precisa de uns banhos de mar.

Ziraldo acatou a orientação, a quinta, e deixou de visitar especialistas, fazer dieta. Voltou a consumir gorduras; a comer carnes vermelhas, brancas, pescadas e caçadas; linguiças da Sadia e da Perdigão; as massas gordas e magras, principalmente as massas saborosas das pizzas; abasteceu a geladeira com refrigerantes e cervejas, doces amargos e doces; e foi tomar banhos de mar. Anteontem fez as contas e percebeu que, em 21 dias, já ganhou três semanas.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 14/05/2021
Reeditado em 15/05/2021
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