DESASTROSAS PEDALANÇAS

João, afilhado de meus pais, morava nas chamadas "terras de plantas" num lugarejo bastante distante, em companhia de seus avós.

Era, na verdade, um pequeno casebre proximo a estação de trens. Ao redor, cultivava-se milho, feijão e outras variedades de plantas que lhes garantiam o sustento.

João sentia-se muito sozinho e assim, vez e outra, aparecia para longas temporadas na casa dos padrinhos.

Então, eu que era também outro sozinho, sentia-me feliz com a companhia daquele que era como que fosse o irmão que não tive.

Duas bicicletas foram deixadas à nossa disposição e nos finais de semana tocávamos o alvoroço em nossas magrelas.

Foram tantos episódios que seria impossível relatar por aqui,porém , lembro-me de um deles que nos marcou bastante.

Tarde de domingo, o destino era a casa de uma senhora chamada Maria, parente de meu pai, que tinha o delicioso hábito d e nos paparicar.

Morava num bairro distante, num sítio onde proliferavam as mais variadas espécies de frutas.

Era verão, e assim que fomos nos aproximando da moradia pudemos sentir o ar impregnado ao odor das uvas no parreiral imenso.

João fez uma graçinha:

-É hoje que tomo um porre de vinho diretamente do pé.

Olhei para ele com aquela costumeira cara de quem não acha a menor graça.

Só então percebi a cara de palhaço que ele ostentava. Como a minha pele era muito clara, a qualquer exposição direta ao sol meu nariz ficava feito um pimentão vermelho. Toda precavida, minha mãe havia recomendado o uso de pomada "Minâncora" como forma de proteção.

Assim, antes de sair, besuntei o narigão com uma generosa camada "daquela coisa".João, que tinha muitas espinhas na face, havia deitado e rolado no pote cor d e laranja.

O que ninguém nos informou é que aquela pomada além de não penetrar muito bem na pele, ressecava e não era muito fácil de desfazer-se.

Zombei da cara dele com boas gargalhadas ao que ele retrucou mandando-me olhar no espelhinho retrovisor da magrela aquela "bola branca" em que havia s e transformado o meu nariz.

No primeiro riacho que apareceu à nossa frente, num esforço concentrado, nos liberamos daquele unguento pegajoso.

Adentramos à casa de dona Maria. Esta, espantada, põe a mão na cabeça e profere:

-Nosssa !!! Piazada do céu ! Vocês precisam usar uns chapéusinhos.Vejam só ! Olhem-se no espelho. O Thute está com o nariz feito um tomate ! Tão vermelho, tão queimado do sol...E você, Joãozinho ! Tá parecendo um araticu crespo. Vou providenciar uma pomadinha "Minâncora" para vocês usarem antes de retornarem pelos caminhos de sol.

Uvas, peras, maçãs, pêssegos...Depois um baita café com pão caseiro e geléias variadas.

Nos despedimos e já estávamos a caminho de volta, quando ouvimos os brados d e dona Maria:

-Voltem ! Venham pegar a "pomadinha"...

É claro que não voltamos rsrs...

Aí surge mais uma ideia brilhante de meu amigo.

-Vamos aproveitar para dar uma passadinha na casa de meus avós ? Quero que eles nos vejam assim "tão bonitões". Além disso, proximo àquela porteira que divide a olaria das terras de plantas moram umas meninas que são "uma brasa mora?" - Quem não lembra a famosa gíria de meados dos anos sessenta.

Só se for agora, lhe respondi, e nos mandamos.

A dita casa estava fechada e não foi possível sequer dar uma olhadela para as meninas que a moravam.

Por caminhos que pareciam não ter mais fim, fomos pedalando até a casa dos avós de meu amigo.

Chegamos !

Sedentos, encontramos dona Mariazinha pitando um palheiro proxima a janela que dava para a plantação.

Seo Firmino, o avô, meio enferuscado tentava sintonizar um radinho de pilhas ao lado da mesa.

A velhinha, nos observando de alto a baixo, solta a pérola ao marido "azedo".

- Mas quetar meu véio ! Veja só a chiquesa destes dois ! Camisa "gira mundo", carçinha de "integrá", com vinco ! água de cheiro no sovaco...

Termina a frase com um sorrisinho irônico e um tufo de fumaça do cigarrinho.

A resposta vem na lata: Curta, grossa e objetiva.

-"Dois bundinha, atrais de namorada,feito cachorro mijando nas tocêra. Mas não vão cavá é nada !"

De fato, naquele dia " não cavemos nada mesmo ".

Subimos empurrando nossas magrelas pelo caminho do milharal até alcançar a poeirenta estradinha.

A casa proxima à porteira agora estava aberta, mas as donzelas à quem queríamos fazer a corte não estavam por ali.

Restou-nos uns anêmicos tiauzinhos das janelas do trem de passageiros que cruzava à nossa frente e mais alguns kuilometros a ser percorrido.

No meio do caminho,eu cantarolava esgoelado:

"Eu sou terrível ! É bom parar..."

Ao que meu amigo, de saco cheio, retrucara;

"Muito terrível ! Tô vendo !"

IRATIENSE THUTO TEIXEIRA
Enviado por IRATIENSE THUTO TEIXEIRA em 13/05/2021
Código do texto: T7255001
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