Nem Jarre nem Machado

Assim como em outros meios, é comum que no meio musical ocorram certas comparações: “Nossa, como fulano toca bem! Muito melhor que sicrano”.

Como milhares de adolescentes da minha época, eu sonhava em tocar numa banda de rock e quem sabe, com todo o talento que despontaria em mim, até ficar famoso.

Paralelamente aos sons estridentes e distorcidos das guitarras, eu curtia demais os arranjos feitos em piano, teclados e sintetizadores, que eram uma característica marcante daquele som produzido nos anos 80s. Comecei também a flertar com a música eletrônica, menos bate-estaca e mais arranjada, daquele período, e neste momento ao olhar para uma das prateleiras da minha estante no quarto, vejo que a minha coleção de bolachões de Jean Michel Jarre está bem ali, pronta para receber a agulha de um toca-discos que, por nostalgia, adquiri recentemente. Influenciado pela parafernália eletrônica de Jarre e por bandas Synth-pop como o New Order e o Depeche Mode, larguei a guitarra e aprendi a tocar teclado algum tempo depois de ganhar de um tio meu primeiro Casio. “Agora o mundo iria conhecer o verdadeiro mago dos teclados” entusiasmei-me.

Mas logo o desmancha prazeres do meu irmão mais velho aprendeu a tocar também. Pronto! Aí se estabeleceu a competição indireta e começaram as comparações. Ele tocava utilizando determinada técnica, eu procurava outra melhor. Ele usava um ritmo que se encaixava bem com a melodia, já ia eu em busca de outro que se ajustava melhor.

Além dele, vivia me comparando, ora orgulhoso por tocar melhor, ora furioso por não ser virtuoso nas teclas, a todo músico que eu ouvia executando um solo nos teclados, e não percebia o quanto essa atitude estava me fazendo infeliz.

Um dia, cansado de alternar entre sentimentos como raiva, por mesmo me esforçando não ser tão bom quanto eu gostaria, inveja por ter de engolir tantos tecladistas melhores do que eu, e em algumas poucas vezes, um pequeno orgulho de triunfo fugaz, resolvi que iria parar de me comparar com os outros e simplesmente tocar com prazer, entregando-me de corpo e alma às minhas músicas prediletas. E sabe de uma coisa, foi a melhor decisão que tomei. Depois de mudar de atitude passei até a tocar melhor, pois tocava agora com alegria, sem o peso de ter que superar aqueles que antes só enxergava como meus concorrentes diretos à glória musical.

Hoje como escritor e poeta, escrevo com prazer e alegria. Claro que busco me aprimorar dentro das minhas possibilidades, contudo, sem me comparar a ninguém.

Mesmo sendo canhoto, dava o melhor de mim quando tocava, sentia a música na alma. Fiz o melhor que pude na faculdade de Letras, dou o meu melhor em minhas exposições espíritas e faço o melhor que posso junto aos meus familiares e amigos, tentando não os decepcionar muito.

Tocar teclado não foi um sonho de adolescente. Era o que eu queria fazer naquela fase da vida, e fiz. Atualmente gosto de escrever e amanhã não sei.

Talvez eu ame alguém que também finalmente se decida por me amar. Aí a gente deixa o velho mundo, os mortos e os insatisfeitos para trás e segue rumo à nova etapa sem comparar, porque quem vive comparando os tempos permanece estático na saudade ou inconformado com o presente; e quem vive se comparando aos outros acaba se tornando presunçoso ou magoado, esquecendo-se do prazer de desfrutar as coisas simples e edificantes, e deixando de aprender.

Que bom que não preciso ser um Machado de Assis.