SEM PERSPECTIVA DE FUTURO MELHOR ("Em ciência não existe um erro tão grosseiro que, amanhã ou depois, sob alguma perspectiva, não pareça profético." — Jean Rostand)

Há dias em que a sala de aula se transforma num palco de absurdos, onde o professor é o ator principal de uma peça sem script, e suas palavras se perdem num eco silencioso. Foi numa dessas manhãs de outono, com o ar carregado de expectativas e folhas secas, que me vi diante do espelho quebrado da educação.

Preparei-me com esmero para aquela aula na EJA. Minha voz rouca e a aparência um tanto desalinhada não diminuíam meu entusiasmo. Nas mãos, trazia o filme "Luzia Homem", baseado na obra de Domingos Olímpio, uma joia da literatura que eu ansiava por compartilhar. Meu objetivo era ambicioso: discutir o empoderamento feminino, trazendo um sopro de contemporaneidade para aquela turma de alunos "repescados" pela vida.

Mal sabia eu que minha aula inovadora se transformaria num monólogo para ouvidos surdos. Os alunos, aqueles que eu imaginava sedentos por conhecimento, estavam mergulhados num oceano particular de sons, cortesia dos fones de ouvido firmemente plantados em suas orelhas. A tela exibia a beleza cinematográfica, mas os olhares estavam perdidos, caolhos na direção de um sistema educacional que parecia não os contemplar.

Naquele momento, senti minha didática se esvair como água entre os dedos. As palavras de um filho de professora ecoaram em minha mente: "Você não sabe dar aula". Seria verdade? Teria eu me perdido nos meandros da educação, incapaz de alcançar aqueles que mais precisavam?

A falta de perspectiva me assombrava. Anos de capacitação continuada, metodologias inovadoras, e ali estava eu, diante de uma plateia indiferente. O filme, com seus atores quase perfeitos e sua produção primorosa, era como um grito silencioso num vazio de interesse. Questionei-me: como pode uma aula assim ser considerada ruim? Como pode um professor ser taxado de fraco quando tenta trazer o mundo para dentro da sala de aula?

Ao final daquele turno notorno, observei os alunos saírem, carregando consigo a promessa de um diploma da EJA. Perguntei-me que valor teria aquele papel numa sociedade que parece valorizar mais o som dos fones de ouvido do que o conhecimento. A beleza, dizem, está nos olhos de quem vê. Mas e quando os olhos se recusam a enxergar?

Refleti sobre minha jornada como educador. Cada aula, cada filme ignorado, cada olhar desinteressado era uma peça nesse quebra-cabeça complexo chamado educação. Percebi que a falta de perspectiva não era só minha, mas um reflexo de uma sociedade em transformação, onde o valor do aprendizado muitas vezes se perde no ruído do imediatismo.

Saí da sala naquele dia não com derrota, mas com uma determinação renovada. Se o espelho da educação está quebrado, cabe a nós, educadores, juntar os cacos e reconstruir a imagem. Pois é nas fraturas que a luz encontra espaço para entrar, e talvez seja justamente nessas brechas que possamos encontrar novos caminhos para alcançar aqueles que parecem inalcançáveis.

A lição que levo comigo é que, enquanto houver um aluno, um único olhar curioso, vale a pena continuar. Pois a educação, assim como a vida, é feita de tentativas, erros e, sobretudo, de uma persistência quase teimosa em acreditar no potencial humano. E enquanto continuo nessa jornada, me pergunto: até quando a beleza escapará ao olhar? Talvez, no final, não seja sobre fazer todos verem, mas sobre nunca parar de mostrar.

Duas questões discursivas sobre o texto:

Quais os desafios enfrentados pelos educadores na atualidade e como a tecnologia e as mudanças sociais impactam o processo de ensino-aprendizagem?

Qual o papel do professor na formação de um indivíduo crítico e engajado com a sociedade, diante da crescente passivização e alienação dos alunos?