Filho das Duas
Crônica
     O caos estava instaurado e instalado. O velho controle remoto genérico do split estava queimado. Achar um, que fosse compatível, já era uma aventura carregada de incertezas. Mas, se tudo corresse bem e o pequeno instrumento fosse encontrado, o preço seria o de menos, ainda que exorbitante: a programação; esta sim, era outra aventura, não menos inusitada.
     Felizmente uma loja "da china" (de uma chinesa, mesmo) farta nessas utilidades estava aberta, apesar da pandemia. Maravilha: assim pudemos iniciar a primeira aventura. O "Pudemos" aqui é por conta do gentil vendedor que, debruçado sobre o caso, me tranquilizava a todo instante, dizendo que encontraríamos o produto. Era amistoso e eficiente.  Parecia até saber ler os manuais, em chinês, que acompanhavam os diversos modelos de controles. Mas ainda assim foi tedioso.
     Quarenta minutos depois encontramos  o bendito compatível. "Você é um filho de uma santa", tentei agradar o rapaz.  No corredor apertado que nos trazia de volta em direção à porta e ao caixa, outro vendedor atrapalhava a passagem com o corpaço que tinha e também por usar o restante do espaço para pendular uma cartela de um produto qualquer. "Quer desocupar a passagem?", perguntou Pedro (eu já havia perguntado seu nome) em tom bricalhão e continuou: "Que é isso que tu ta balançando aí, faz um tempão". Foi ai que me dei conta de que realmente a silhueta do outro rapaz estava no meu campo visual já há algum tempo. "Tu não me dá atenção! Olha aí o que é!", resmungou o atrapalhão. Pasmem! Era um controle específico igualzinho ao original de fábrica do meu split. "Caracas! O original! Quer dizer o clone", era Pedro em mais um gesto de amistosidade. Estava feliz por poder me entregar algo, além daquilo que eu buscava. "Caracas! É mesmo. Igualzinho ao original", agora era eu, esboçando meu contetamento. "Você também é um verdadeiro filho da santa", continuei, agora agradando a eficácia do outro rapaz.
     Mercadoria paga e empacotada, eu de saída e um agradecimento velado: "Obrigadão, a vocês dois. Dois filhos de santa". Já na saída os vendedores agradeceram o elogio e a escolha da loja, como de praxe. No momento final, para fechar, o rapaz eficaz acrescentou: "Quando vi o senhor falando com o Pedro, eu logo achei o controle clone. Aí fiquei olhando pra ver se ele ia ser esperto também". "Ah seu FDP. Como é que tu me faz passar quarenta minutos procurando um produto que estava na tua mão, seu...?". Não. Não falei isso, não. Só pensei. Mas pensei com tanta intensidade que quase pedi desculpas ao rapaz, por isso. Afinal ele é um  bendito
filho das duas.