Diário de Bordo (Lembranças da minha árvore genealógica)
Diário de Bordo (Lembranças da minha árvore genealógica.)
Como é sabido por quem me conhece de longa data, sou originário do sertão sergipano, mais exatamente da cidade de Tobias Barreto, uma localidade postada na linha fronteiriça entre os os estados de Bahia e Sergipe.
Distante uns dez quilômetros de Tobias Barreto, vivia o meu bisavô materno Pedro Cruvelo, pai do meu avô Raimundo Cruvelo...
Como a minha mãe me trouxe ao mundo muito precocemente, com meros catorze anos, tive a oportunidade de conhecer o meu bisavô ,um médio proprietário de terras. Já o meu avô Raimundo, apesar de haver nascido na roça, era um homem tipicamente urbano, tendo em seu histórico algumas experiências frustradas nas lides campesinas.
Numa senda diametralmente oposta a de meu avô Raimundo, eu, nascido na cidade, sempre tive um pé no mato, e quando a oportunidade de adquirir uma propriedade no campo se apresentou, não pensei duas vezes pra juntar mala e cuia e me mudar pra roça.
A razão de estar trazendo esta lembrança dos meus antepassados vem da minha observação das transformações que estou implementando aqui em Pasárgada, e também dos inúmeros obstáculos que tenho de ir superando para atingir o objetivo de tornar esta propriedade um lugar ótimo de se viver, imune aos atropelos das cidades grandes. Ou seja: um espaço que seja acolhedor tanto para se trabalhar com terapias, quanto para o lazer.
Pois muito que bem, pibes y chicas. Este sertanejo nômade vem fazendo aqui em Pasárgada trabalho de gente grande, como nestas duas últimas semanas, durante as quais movi mundos de terra, arrastei troncos de mais de quinze metros, e trabalhei com a enxada e o machado como um legitimo roceiro.
O neto de Raimundo Cruvelo, terapeuta corporal de profissão, se dá muito bem com o canto dos grilos, com a tênue luz noturna da Lua minguante, aprende com gosto o ciclo de vida das plantas e dos bichos, e não se incomoda nem um pouco por não dispor de uma geladeira, pois afinal de contas, a água aqui da mina tem a temperatura perfeita.
Nestes mais de dois anos aqui fui acumulando aprendizados com os quais nem sonhava, antes de aqui colocar os pés. Construi uma fonte represando uma pequena e incipiente nascente, mais um brejo que nascente, aprimorei o manejo da motosserra, e principalmente, aprendi a conviver bem comigo mesmo, desfrutando quietude de poder estar sozinho num espaço de mais de seis alqueires cercado de mata por todos lados.
Ah, seu João, mas não é nada fácil viver assim.
Concordo plenamente com esta judiciosa observação...
E foi de tanto saber que não é nada fácil abrir mão das comodidades da vida urbana que eu me preparei emocionalmente durante anos pra fazer frente a esta vida espartana que ora vivo.
E das terras civilizadas, estas que deixei pra trás, as notícias que me chegam enchem meu coração de tristeza, sejam elas vindas do Sul com a chacina de bebês inocentes e suas professoras, ou mesmo da antiga Cidade Maravilhosa, com outra chacina brutal numa favela, todos a contar corpos e chorar seus mortos.
Terras de Olivença, noite de Sábado, Lua Nova de Maio de 2021.
João Bosco