A solidão bem temperada
A solidão bem temperada
Sempre fui uma dessas pessoas que curte a solidão e fica curtindo nela. Curtindo mesmo porque, para mim, ela é curta e porque nela fico em banho-maria, aproveitando o silêncio. Constantemente, estou em meio à multidão. Faz parte de meu ofício estar entre muitas pessoas. Afinal, um professor deve ir aonde o aluno está, mesmo que virtualmente. E com tantas redes sociais acabamos ficando conectados demasiadamente. Então, preciso me desligar. Neste momento, em que ora escrevo, faço-o pelo deleite de apreciar a solitude, porque é nela em que as ideias vêm à tona, é nela em que me encaro, leio, produzo meus textos.
É preciso aprender a ser sozinho, senão pode-se incorrer na deselegância de não saber ser companhia. Se você nunca foi ao cinema só, nunca viajou desacompanhado, precisa repensar se essa necessidade de estar atrelado ao outro não pode ser sintoma de carência... Como há pessoas carentes no mundo, né¿ Sinceramente... eu me incluo, porém torno esse sentimento de ausência do outro em uma forma produtiva de estar comigo.
Uma solidão bem temperada tem um sabor que deve ser apreciado diariamente. Não é o discurso do “eu me basto”, mas eu me recombustivo na quietude. Moro só há três anos, e o tédio dificilmente me ataca. Não consigo conceber a ideia de ficar parado porque, para mim, a vida é movimento. O mundo é esse universo de possibilidade e, logo eu, tão ansioso, vivo impulsionado a explorá-lo.
Tantos livros, tantos filmes, tanta linguagem que me transborda. Uma volta pela praia, um exercício matinal, um vinho na varanda, um banho quente, frio, uma música na altura que eu quiser (pelo menos até quando um vizinho reclamar) – a isso talvez se dê o nome de liberdade. O fato é que se deve ter muito cuidado com quem o acompanha. A cama vazia, inteira, só para si, é melhor do que ter os lençóis invadidos por quem apenas se aproveita de sua ingenuidade que seus impulsos libidinais não o fazem notar. Não faça do seu tempo livre, tranquilo, um espaço que precisa a todo custo ser preenchido. Sou sozinho e me acompanho. Reconheço que é muita vaidade confessar algo assim, mas se o faço é só para me reafirmar de que não sou solitário como há quem julgue que sou. Pouco importa. É nessa minha individualidade que posso me fazer plural.
Não confio no amor de quem se inquieta, de quem negocia a sua presença em troca do nada. Semelhante a pessoas chatas que querem companhia sem antes terem aprendido a ser. Não confio em quem quer ser “nós” sem antes ser laço. Tenha-se antes de querer ter o outro, até porque você nunca o terá, senão o sequestrará, arrancará a sua preciosa subjetividade, entrando no campo minado da possessividade. Não mendigue companhia, não queira o vinho antes de ser uva.
Eu hoje denuncio a vida vazia de quem quer a todo custo ter alguém apenas para dizer ao mundo que é desejado, ainda que este não o faça bem. Não queira ser o “ar de quem respira”, sem ter construído a atmosfera mais confortável. Do contrário, será mesmo o “ar”, o ar tóxico. É... então, “me deixa quietinho aqui com minha vida espetacular”, como alguém um dia disse. Vai ser assim enquanto eu quiser, sem a obrigação de uma vida de aparências. Estou muito bem sem ter que viver avaliando currículos virtuais de encontros casuais. Quem quiser viver assim, na efêmera companhia de um amor eventual, tudo bem. Sua vontade, seu prazer. Só não se esqueça de preservar a sua pessoa. Presencie-se.
Leo Barbosa é professor, poeta e escritor.