Toda mulher é mãe maravilha
Ainda criança, nos tempos da TV compartilhada com os muitos vizinhos, eu e minhas irmãs saíamos de casa para passar o dia na casa da avó, e enquanto a mãe ia trabalhar podíamos ver televisão na casa das vizinhas. She-Ra , mulher maravilha e outras heroínas que amávamos.
Eu sonhava ter perto de mim uma heroína como a Mulher Maravilha, saída dos quadrinhos ou da tv para me socorrer quando ia brincar no quintal, eu e as crianças da redondeza e pensávamos que uma árvore qualquer fosse um prédio onde a gente pudesse fugir do gato do mato, do lobisomem, da alma penada. As amigas maiores subiam os galhos mais altos, e me amedrontavam dizendo que por estar no tronco da árvore o bicho ia me pegar. Era na hora do terror, que a mulher maravilha aparecia:
- Mãe , vem me socorrer?
A mãe mesmo não vinha, mas chegavam a avó ou a tia.
E cada uma cuidava de mim com carinho dando banho, fazendo cafuné, uma espécie de água com açúcar para aliviar o ardor da pimenta nas mãos e na boca. Artimanha que as amigas mais velhas pregavam na hora do cozinhar inventado.
Mãe é a presença feminina sempre ali na infância, uma espécie de salvadora, de fada madrinha, da mão cuidadosa a alimentar minha infância. Às vezes era a avó servindo café com manteiga pra aliviar as dores de garganta, e um pedaço de queijo que estava guardado enterrado na farinha, ou o olho de peixe com o caldo, o feijao machucado. A avó , mãe duas vezes alimentava o corpo ou a alma, as memórias quando contava histórias e catava piolhos.
A mãe heroína, mulher maravilha não estava nas telas, estava sempre no fogão, ou com o terço na mão ensinando o sinal da cruz, o Creio em Deus pai.
Se a avó saía de cena , a tia estava ali, a cuidar dos banhos mornos, a brincar no quintal, fazendo balanço, plantando coentro e cebolinha e dando muitas risadas, tornando a infância lúdica e perfumada.
A figura materna era sempre bem representada, já que saia cedo pra cuidar de outras crianças na escola, mãe educadora , dois a três turnos ensinando o bê-á-bá , as primeiras lembranças e se tornando eterna na mente das crianças que logo se alfabetizavam, enquanto eu aguardava a mãe maravilha me salvar no quintal da vizinha das traquinagens das amigas.
À noite a mãe voltava, fazia macarrão com molho de cebola, um ovo estalado, ou em tempos melhores, nos servia qualhada, enquanto mexia mingau de chá para matar a fome do filho menor pois a meia garrafa de leite não era suficiente para as muitas mamadas da noite.
Nas noites de inverno, nossa mãe nos colocava em roda em cima da cama, cantava, e contava histórias sob o som da chuva no telhado e das goteiras que caiam nas vasilhas. Mas se o trovão bravejasse, a gente fazia silêncio, e o jantar era adiado.
-Ninguém come quando tá relampejando. -Dizia o pai embrulhado numa rede na sala.
A figura materna virava a mulher maravilha da vez, nos guardando dos perigos dos raios, com suas orações à Santa Bárbara.
Apagavam-se as luzes
E sob a luz de velas, cobria com as cobertas esgarçadas, todas as três filhas num colchão de chita ensacado com algodão, assim como aos meninos, embalando numa rede.
A hora de dormir tinha um ritual com cara de mãe: Um copo d'água para não sentir sede, senão o anjo guardador caía dentro do pote, mesmo quando a gente sabia que acordaria com sede e lhe chamaria para trazer água, sentindo muito medo de que na hora da mãe ir pegar a água, achasse o anjo afogado. A mãe vinha com dois copos na mão passando a água de um para o outro, quase a nos matar de sede. Era preciso antes de nos dar de beber acordar a mãe d'água, pedir-lhe licença, já que também dormia. E só ai nos saciar.
Uma oração final e um boa noite, e os olhos pesavam vendo a sombra da mãe na parede, feito mulher maravilha a nos guardar de todos os fantasmas soltos no quarto. Dormíamos felizes, fosse com a barriga vazia ou cheia, e sonhávamos os sonhos mais lindos onde a mãe seria fada, rainha, heroína.
E não entendíamos que todos os dias a avó, a tia, e a mãe eram mulheres maravilhas de verdade, pois matavam um leão por dia, enfrentavam seus fantasmas e os muitos inimigos da vida.
Paula Belmino