TEMPO DA POESIA

TEMPO DA POESIA

“[...] eu nascera, crescera e envelhecera num só dia” – Mia couto

Se é verdade que poeta nasce velho, então sou uma comprovação. Não sou da década em que nasci. Vivo com um sentimento constante de nostalgia. Gosto das coisas que abrigam histórias e, talvez por gostar do conteúdo, eu procure continentes para abastecer as minhas lembranças que não são minhas. Com menos idade que hoje tenho, já procurava pessoas mais velhas para estabelecermos uma prosa. Todavia, nem sempre fui tão bem recebido. Às vezes elas traziam o conceito de que “em conversa de adulto, criança não se intromete”.

Sinto falta dos tempos nos quais visitava a costureira e esperava pela roupa. Eram as melhores e mais bonitas. Tiravam-se as medidas e me acresciam avidez ao me ver vestido com o tecido que mãos ágeis e, ao mesmo tempo, sem pressa, tocaram. Seus desenhos únicos, sua vestimenta exclusiva.Vivemos cada vez mais rápidos. Perdemos os gestos poéticos. Olhares se esbarram. A vida rápida vai numa progressão maior que a mente pode aguentar. Doenças da psique se somatizam.

Eu devo ser dos tempos das cartas. Nestes, os relacionamentos tinham mais gosto. A saudade tinha apuro. Hoje, se o celular não for atendido na primeira chamada, o desespero de quem liga logo se instaura. E-mails que não são respondidos em um dia são cobrados como quem chama uma ambulância. A industrialização, a produção em massa, fez dos produtos, no geral, descartáveis. A acessibilidade tornou-se sinônimo de desleixo. Máquina e humanidade com a mesma valia. Desfaz-se de um ser humano pelo uso. Quebrou? Deu defeito? Joga fora! O mundo da utilidade, o sem-significado.

Sou do tempo dos ditados, das cópias, dos cadernos de caligrafia, da chamada oral. Metodologia essa que, creio, nunca se tornará obsoleta. Não fiquei com trauma porque apanhei ou porque fui alcunhado. Não me fizeram acreditar que pôr ordens na minha agitação infantil fosse um desamor. Tive uma infância com quintal e jardim. Às vezes penso que ela não foi completa por eu não ter soltado pipa. Mas, tudo bem. Tive bola de gude, pião, fui várias vezes à fazenda do meu avô, explorei terras. O ar livre não me privou dos videogames e do computador, os tive.

Lembro-me dos livros com bom acabamento, a capa dura, a costura entre as folhas. Hoje estes são raros ou custam caro. Com a pressa não há acabamentos nem iniciações. Tudo é estático e não fica. O engraçado é que quanto mais envelheço, mais renovado fico. Aproveito melhor a solitude. Retiro o mofo de mim. Ponho-me no sol. Recebo o tempo com parcimônia. Perco o relógio de vista. Limpo a estante. Demoro nas palavras por reconhecer sua sacralidade. Quem quiser que venha, mas não corra por mim. Estou sendo feito sem efeitos instantâneos. Instante a instante. Se poeta nasce velho, morrerá novo.