Mãe é mãe

Tenho vários nomes. No trabalho, para o público em geral, sou o 8028088-9; para os colegas de repartição, Damião ––ou ainda “Damis”, como me chama, con amore, a bélica, afável e casada Mariana Cristina Vital Amaral, mãe da Valentina. No Comércio, sou cliente; para a medicina, paciente; o meu vizinho me chama de “chegado”; o Sistema Autônomo de Água e Esgoto, de usuário. Tenho vários nomes e usos. Mas mãe só tenho uma.

Tive um bocado de professores que me ensinaram, ainda que em muitos aspectos inutilmente, a complicadíssima fórmula de Bhaskara; que me falaram sobre os acontecimentos da Era Vargas, sobre o 11 de setembro, sobre a localização da Ponte Rio-Niterói; que me instruíram sobre os Fundamentos da Ecologia; que me iniciaram nos rudimentos da Escolástica; que me chatearam com regras de Pontuação; e um em particular, de Língua Portuguesa em específico, que me diminuiu dois pontos na prova de Redação por eu ter inscrito “paralização” com “z”. Sou grato a todos esses mestres, pelos enormes ensinamentos, mas nem um deles chega a dominar os saberes de mãe. Porque professores temos um monte, mas mãe só temos uma.

Mãe me ensina que nota, na escola, é apenas um número; e que fora da sala de aula, do Histórico Escolar, estamos todos reprovados. Mãe me ensina a assoar o nariz, a abotoar a camisa, a atravessar a rua, a respeitar filas. Mãe, minha mais sábia mestra, me guia aos saberes indispensáveis à vida individual e à coletiva. Quando espirro, mãe me deseja saúde; quando não espirro, mãe igualmente me deseja saúde. Quando estou tossindo, mãe passa Vick Vaporub no meu peito, esfrega e, como por intervenção divina, a tosse evapora-se. Suspeito, inclusive, que mãe tem um pacto com Deus. Um pacto cujo primeiro mandamento é “Amar seu filho sobre todas as coisas”. Porque deuses podem existir muitos, mas mãe só temos uma.

Recebemos ao longo da vida um lote de abraços, vários beijos, mas o primeiro, o mais verdadeiro e afetuoso, quente e apertado, pode ter certeza, foi nossa mãe quem nos deu. E de graça, sem barganha, sem o “E o que eu ganho com isso?”. Mãe é a única profissional que conheço que trabalha por amor, com amor, em tempo integral e vitaliciamente. Mãe não se aposenta. Diferentemente de pai, que em numerosos casos desprestigia filho, mãe é sua incentivadora number one. É a primeira a ver nele as qualidades destacáveis que, mais tarde, o Mercado vai lhe requerer; o humor que lhe é característico ou não; a semelhança que o torna tão seu; a beleza que o faz ser a criatura mais formosa da Terra. É a primeira a nos elogiar e a última a nos criticar. Mesmo depois que todo o mundo encontra alguma de nossas falhas moral e física, mãe continua a acreditar que estão todos errados e que seu filho é o mais qualificado, ético, belo, fitness, engraçado de todo o mundo. E diz, com graça enorme: “Deus tá vendo, meu filho, a injustiça que estão lhe fazendo”. Porque pai temos muitos, mas mãe temos apenas uma.

É verdade que pai também abraça, pai também beija, pai também ama filho. Mas é abraço, beijo, amor diferente do de mãe. Amor paterno é meio anêmico, meio pela metade, meio sem querer querendo. Por isso, talvez, como afirma o sábio senso comum, que pisa de pai dói mais que a de mãe. Pai geralmente, quando na condição de castigador, não escolhe o local no corpo do filho onde aplicar a punição que julga necessária. Mãe, não. Mãe geralmente dá ao filho o direito à ampla defesa e ao contraditório, e quando o veredito se encaminha para punição corporal, mãe escolhe o material com que executará a sentença ––na maioria das vezes revestido de algodão, leve e incapaz de causar graves danos ––, e assopra antes o local onde vai “bater”, que quase sempre se localiza em área adiposa. E depois dos trâmites preparatórios e executórios, o filho recebe o castigo até as vezes alegre e surpreso: “Oxe, mãe! Nem doeu.” E a mãe sente o dever cumprido. Porque pai temos muitos, mas mãe temos apenas uma. Uma múltipla e polivalente, con amore, con amore, con amore. Muitíssimo e montão, amore. Mãe sempre mãe, sempre con amore, cujo filho, para ela, é ––e sempre será–– o mais ético, o mais belo, o mais fitness, o mais engraçado de todo o mundo. Porque mãe é mãe.

Damião Caetano da Silva
Enviado por Damião Caetano da Silva em 09/05/2021
Reeditado em 09/05/2021
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