A espiritualidade trágica
Toda as civilizações desenvolveram narrativas mitológicas trágicas sobre sua fundação ou sobre aspectos do seu cotidiano. Os gregos antigos, a civilização helênica, produziram narrativas trágicas em seus mitos, em suas peças teatrais, bem como em sua filosofia e também na vida política. Enfim, eles tinham uma espiritualidade trágica por excelência. Mas o que é essa espiritualidade trágica?
De maneira geral podemos definir a espiritualidade trágica como um estado de consciência de que a vida humana se encontra sempre vulnerável à todo tipo de forças externas. Tais forças externas podem ser provocadas por razões divinas, pela natureza, por acontecimentos políticos e sociais que esmagam o cotidiano da vida de qualquer pessoa. Na espiritualidade trágica desta civilização, a liberdade de escolha era uma miragem na vida de qualquer ser humano. Por quê? Porque a vida de cada pessoa era entendida como destino, um destino que era cego e indiferente aos sentimentos humanos e à sua vida. Tudo era contingência: a vida dependia da sorte ou do azar. Por isso, a vida de qualquer criatura humana era esmagada pela contingência.
A espiritualidade trágica era este estado de consciência de que os deuses, a natureza, o universo e tudo no entorno era indiferente a vida humana. Somos uma espécie de abandonados à própria sorte, não há ninguém cuidando de nós. Somos uma espécie que vive um exílio cósmico. Os gregos antigos tinham esta sensibilidade trágica em sua espiritualidade. O que nos ensina esta espiritualidade trágica? Que não somos suficientes. Toda vida humana é insuficiente.
A ideia de uma pessoa empoderada, de uma autonomia individual e de uma autossuficiência era uma miragem na cultura dos gregos antigos. O que mais a espiritualidade trágica pode nos ensinar? Preparar o indivíduo para uma educação emocional e intelectual resiliente. A consciência trágica é uma forma de fortalecer o indivíduo diante das adversidades não controláveis da vida. A espiritualidade trágica dos antigos gregos também traz uma grande sabedoria: a vida humana não pode ser pautada pela arrogância do excesso de confiança narcísica que impera o mundo de hoje.