Hotel Maldito

A expressão “bate e volta” quase se tornou literal. Também poderia ter sido “apanha e volta”.

Alguém “descolou” a casa do amigo do amigo do namorado da prima de alguém na Praia Grande. Diante dessa boca livre, não poderíamos reclamar da localidade, nem de sua água imprópria para o banho. Em cinco, partimos para o litoral, sem nos importar para a duvidosa frequência e a balneabilidade do local. Partimos para um bate- e-volta

A casa estava lotada, mas tudo bem, isso não era novidade. Eu saquei o violão, isso escancara portas em qualquer lugar do mundo.

Apesar de ali não ser uma unidade do SUS, faltavam leitos, então fomos dormir em Mongaguá - outra cidade litorânea.

No dia seguinte, voltamos à Praia Grande. Vi que minha mochila estava jogada. Isso foi o estopim pro segundo bate e volta. Meus amigos viram a confusão, em meio a gritos e ameaças, saindo da casa. E eu lá no meio do ciclone extratropical. Sem saber o porquê, nem quem tinha razão, meus amigos envolveram-se na discussão. Apaziguados os ânimos, fomos à praia. Depois, rolou um social até a hora de irmos embora. Mas o pior ainda estava por vir.

Tiveram a ideia de almoçar no restaurante de um hotel. Por que não? Paramos nosso carro no estacionamento na frente do hotel. No outro carro, meu amigo, com sua namorada, quis parar bem em frente ao resort. Porém havia uma porta de vidro, brilhando e na mira do embriagado motorista. A cena parece se repetir na minha mente: nós três assistindo àquele veículo acelerando aos soquinhos, cada vez mais perto da porta. Não adiantaram os avisos, quase em súplicas, dizendo que já estava bom. Não adiantava. O motorista ensandecido, parecia querer provar alguma coisa ou estar possuído por algo que não era desse mundo, conseguiu o que temíamos. A portaria dupla de vidro, com uma leve encostada, ficou branca e despencou em caquinhos sobre o capô. No outro carro, paralisados vimos aquela cachoeira de fragmentos. Eu juro que vi essa cena em câmera lenta.

Aquilo, lógico, chamou a atenção de todos, afinal, o marasmo do domingo havia sido interrompido. O Destruidor desembarcou da “viatura”, descalço, sem camisa, trajando apenas uma bermuda frouxa. Era impossível não notar a barriga proeminente, equilibrando um toco de cigarro na boca e a barba por fazer, que apenas aumentavam o aspecto de desleixo. A expectativa de todos era grande para acompanhar o que viria a seguir. Ele parou em frente ao automóvel e, revolvendo e pisando os cacos, misturando sangue, suor, lágrimas e vidro, disse com voz chorosa: “O que é que eu fiz?!”. É claro que todos tinham a resposta, mas ninguém ousou falar.

No início, a gerente do resort acalmou o clima e acomodou o casal à beira da piscina. Tudo parecia calmo demais, até chegar a Polícia. Acostumados com turistas que deixam rastros por onde passam, a gerência providenciou uma autoridade.

A ocorrência explicada, os acertos financeiros providenciados e a “estada” no resort aproveitada, subimos a serra.

Para quem trabalhou a semana inteira, esse foi o fim da semana de “bate e volta” com um “descanso” imerecido.

RRRafael
Enviado por RRRafael em 07/05/2021
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