QUANDO ELA NÃO VEM

Era um sábado como todos os sábados, como tantos sábados foram. Cheguei cedo para o almoço, como tantos outros almoços. No mesmo restaurante, na mesma mesa, na mesma cadeira. Um lugar confortável e simpático, como tantos outros. Eu gostava dali porque tinha paredes de vidro apenas sustentadas por colunas de concreto, dava uma visão quase completa de cento e oitenta graus, assim eu poderia ver o meu carro do outro lado da rua, e também as pessoas que trafegavam de um lado para o outro, nada muito interessante. O garçom, o mesmo de sempre, perguntou o que eu gostaria de beber, depois de desejar bom dia.

– O senhor deseja beber o de sempre?

– Pode ser.

– E para comer, scallop ao molho madeira, sem champignon, só com palmito e aspargo e uma porção de arroz branco, acertei?

Olhei para ele espantado, não imaginei ser tão previsível, detestava a previsibilidade nas pessoas, nos tornava seres sistemáticos, como se fôssemos máquinas fabricadas em série e pudéssemos ser desmontados e estudados peça por peça a qualquer momento.

– Vai demorar um pouquinho, concluiu o garçom, alegre por acertar em cheio.

– Eu aguardo, Simas. Obrigado.

Não havia muito que fazer, era tudo igual, até as músicas sertanejas que eu, particularmente, não gosto, quase sempre eram a mesma choradeira romanesca.

Tomei de um só gole todo o licor e depois fiz a mesma coisa com o café, fui até lá fora e acendi um cigarro como de costume, fiquei a contemplar a rua. Gostava daquela rua – Homero Castelo Branco – bem movimentada à noite; cheia de restaurantes, butiques, shopping. À noite a elite desfilava com seus carrões e as ‘minas’ up to date lançavam moda, os garotos tomavam coca-cola e chope, acho que estou fora de moda, hoje em dia já não se usam mais essas expressões.

– Posso servir o almoço? – perguntou Simas.

– Pode sim, e obrigado. A comida estava boa, comi devagar para não parecer mal educado, um saco, esse negócio. Quando terminei, repeti o ritual do licor e do cafezinho, e fumei mais um cigarro do lado de fora do restaurante, aguardando a conta, como das outras vezes.

Paguei deixando uma gorjeta para o Simas, como sempre. Atravessei a rua quase correndo para não ser atropelado por uma loira apressada. Abri a porta do carro, quando um garoto de rua se aproximou.

– Hoje tem gorja, Doutor? – Falou sorrindo.

– Doutor – resmunguei. Tem, toma aqui. Dei duas moedas de cinquenta centavos.

– Valeu aí doutor.

– Cadê o Carniça? – Perguntei por perguntar, meio desinteressado.

– Ah, doutor, eu nem te conto. Ontem à noite ele foi entregar, lá no morro da esperança, umas roupas lavadas de encomenda da mãe dele, é que ela tava meio doente, sabe como é que é, coisa de mulher todo mês, aí doutor os samangos da polícia chegaram e fecharam com a cara dele de porrada, nem perguntaram nada, foi parar no hospital todo arrebentado, e a mãe teve que lavar a roupa de novo, sabe como é doutor, neguinho pobre depois das nove, de noite, com trouxa na cabeça, é tudo ladrão pra polícia, ele nem sabe se ainda vai andar, a mãe está com ar de doida, foi prestar queixa na delegacia, e o doutor delegado falou pra ela ficar na dela que a coisa podia ter sido pior, dá pra entender doutor?

Fiquei comovido com a história e acrescentei mais uma moeda na gorjeta para esconder a mesquinhez.

– Vê se fica ligado, você também, não confia nesses samangos é tudo igual.

– Pode deixar Doutor, comigo a coisa é diferente, tá limpo.

Era tudo igual, só as estatísticas da criminalidade e da corrupção é que continuam aumentando. Volto para casa e leio um jornal. “PF. ACHA LABORATÓRIO DE REFINO DE DROGA.” “A CULTURA É UM DIREITO BÁSICO DO CIDADÃO”. “DINHEIRO DE COMBATE À DENGUE É NOVO ROUND ENTRE SECRETÁRIOS.” “PARALAMAS VOLTAM MAIS ROQUEIROS QUE ANTES.” “DÓLAR: COMERCIAL 3,87 PARA COMPRA E 3,875 PARA VENDA.”

Não havia novidades, estava tudo igual ao dia anterior, e o telefone não tocou. Ela não ligou.

08.11.2002

Leandro Dumont
Enviado por Leandro Dumont em 07/05/2021
Código do texto: T7250177
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