Deus, a maçã e a língua
Dentre as coisas que escolhi acreditar em silêncio, está a ideia de que a "maçã" do Éden, talvez seja o uso entendimento do uso da linguagem pelo homem.
Condenar uma fruta (sentido literal)? Parece besteira.
Seria a "maçã" um signo pudico para o sexo? Parece não ser o caso, porque todos os animais tem as mesmas necessidades, e até os golfinhos usam o sexo para obter prazer. Deus não criaria uma ordem de conduta que não fosse possível de cumprimento por tudo aquilo que criou. O Deus que habita em mim não seria feliz condenando aquilo que admite.
O pecado original, na minha cabeça, é aquilo que nos diferencia do restante: a linguagem, a interpretação. Há mais de 4 anos mil tentamos, sem sucesso, equilibrarmos em cima dessa corda bamba, e volta-e-meia a história nos joga desse penhasco onde fomos alçados.
A linguagem cria e destrói objetos, coisas, fatos e relações, independente de podermos identificá-los empiricamente. Falamos de coisas, lugares e pessoas que não conhecemos, não vimos e nem veremos. A linguagem se sustenta em si mesma, e não há qualquer possibilidade de se identificar um objeto que não seja descrito pela linguagem.
Devido a isso, é possível que mesmo um fato não tenha ocorrido, este venha a ser descrito e reconhecido pela linguagem. Uma mentira, por exemplo, prevalece até que outro elemento de linguagem a desconstitua - a versão da verdade.
Se Deus está em tudo que existe e é, a mentira é única coisa que existe sem ser. Talvez o primeiro pecado do Éden tenha sido a percepção de que a linguagem permite o artifício da mentira. É a benção se transforma em maldição quando utilizada por quem não entende a responsabilidade que limita o poder.
Estamos presos nesse karma, que piora muito nesses momentos da história onde os fatos valem bem menos que as suas versões - sobretudo aquelas que só servem para validar as crenças que já temos.