Nostalgia

Ele sentia que algo estava diferente, mas não sabia dizer bem ao certo o quê. Sentia que era um processo, mas não conseguia explicar, só sentir. De forma tosca e de modo a analisar, fazia um paralelo com o crescimento - talvez a dor física fosse o marco do abandono de uma infância feliz, onde não se conhecia os problemas. Esta era uma preocupação dos adultos e o que não conhecemos a princípio não existe pelo menos para nós enquanto ignorantes das lutas diárias que maquiavam os sorrisos infantis e davam aos rostos dos adultos um ar sisudo, compatível com suas responsabilidades. É como se este conhecimento fosse uma mordida na maçã e o castigo seria a nostalgia eterna da nossa infância. Mas para além do traçar este singelo paralelo havia algo mais, pois a sensação é que a expansão de seu universo de compreensão o afastava mais e mais do universo das outras pessoas. A cada interação aumentava a sensação de vidas em universos paralelos, que pareciam até viver no mesmo tempo e espaço, mas que pertenciam a mundos/dimensões diferentes. Ele parecia ter uma consciência de que algo estava acontecendo, mas quando tentava explicar olhavam para ele com rostos de interrogação, que chegavam quase a ser de compaixão, como se o que ele falasse fosse ficando cada vez menos inteligível – qualquer ser incapaz de expressar suas ideias tem o direito de ser digno de pena.

Ele também não conseguia entender o que os outros falavam. Via seres com almas mortas e mesmo que tivesse o interesse sincero de uma autópsia ou mesa branca ou qualquer outro processo onde pudesse conversar/descobrir pistas dos mortos, os ruídos ou mensagens de um procedimento ou psicografadas pareciam ser de uma língua ancestral estrangeira, talvez se entendesse os grunhidos dos homens das cavernas pudesse produzir algum diálogo, fazer algum sentido. Ele começava a compreender os rostos interrogação: ele estava fazendo um destes a cada fala absurda dos outros e que seus neurotransmissores educados/programados com valores diversos teimavam em não se esforçar por decifrar. “Quem sabe o outro pense o mesmo e verdades divergentes criem sua própria linguagem.” Se imaginar do lado certo não lhe trazia conforto. Sabia que o outro, mesmo que estivesse do lado errado (ou qualquer outra palavra termo que eles utilizassem em sua língua - como por exemplo “lado certo”) não mudaria o rumo das coisas.

Assim sofria a sua intrincada lógica de valores, que através de cálculos previa que o caminho que estavam seguindo os levaria ao caos e tinham ouvidos moucos para um doido que gritava no deserto de humanidade como se fora um profeta do apocalipse. Quiçá seus alertas soassem na língua estrangeira deles como um “Sou louco! Sou doido! Cuidado comigo!” – vai saber...

Ele se sentia na gávea de uma nau vislumbrando um bloco de gelo à frente e o risco iminente de um iceberg. Mas os corações já estavam congelados e com gorros de grossa lã de carneiro ou não ouviam ou ouviam um som distorcido e desprezavam os sinais. Talvez estivesse naquele posto tempo demais e o enjoo era visível. As pessoas que estão no lugar mais alto sofrem mais os efeitos do balanço do mar, mas o enjoo que ele sentia vinha do nojo de ver a cabeça dos que não lhe compreendiam. De qualquer forma ele não parava de gritar os seus alertas. Talvez sua compreensão estivesse afetada e o que ele imaginava gávea fosse na verdade um porão escuro onde seus gritos ecoavam e se misturavam com seus novos gritos num mantra eterno onde ele tentava salvar alguma alma, nem que fosse a sua própria.

Quem sabe num futuro quando o eco dos seus gritos fossem estudados, um Champollion de almas conseguisse traduzir seus medos e com sorte ainda seus alertas pudessem ser somente uma previsão sombria, que poderia ser ainda alterada com mudanças nos rumos da civilização.

A utopia de uma alegria ampla, geral e irrestrita ele só poderia viver em sonhos, mas uma realidade distópica tirava seu sono à noite, lhe sobrando a NOSTALGIA, com um sentido que alcançaria outro patamar, quando entendessem que aquela alma inquieta só conseguia vislumbrar alguma alegria quando olhava pelo retrovisor de um coração em BRASIL.