O MENINO EMPREENDEDOR
Meu amigo Pelezinho levava jeito para os negócios desde criança. Fazia de tudo para ter seu cofrinho sempre com alguma reserva, que supria com pequenos afazeres. Limpava quintais, levava a velha burra de propriedade de um vizinho para soltar na quinta, quando o sol esfriava, e dava banho no cavalo do tio, num riacho perto de casa. Enfim, o bicho era bom de serviço. No final do dia tinha sempre algumas moedas para guardar no cofrinho, um porquinho de barro que ganhou de presente da professora de catecismo.
Uma habilidade que Pelezinho se destacava mesmo era de ser um bom negociante. Às vezes o pagamento que recebia não era nem dinheiro. Cansou de receber como pagamento de suas tarefas, galinha, dúzias de ovos e côfos e côfos de feijão verde, que ele depois transformava em dinheiro vendendo tudo na feira, aos domingos. Não é à toa que o Pelezinho, hoje homem feito, virou empresário. Não quis seguir carreira escolar, mas aprendeu desde menino a trabalhar e a ganhar dinheiro.
Boas risadas me rendem um episódio ocorrido com Pelezinho que ele conta ter ocorrido quando tinha dez anos.
Assim que chegou luz elétrica na pequena cidade onde morava, sua madrinha Maria tratou de comprar logo uma geladeira e iniciar uma venda de laranjinha. Você, leitor, deve lembrar-se que o produto levava esse nome porque os saquinhos dos “geladinhos” tinham o formato de frutas e animais. Quem não recorda dos patinhos e dos cachinhos de uva? Na caixa térmica, onde era feito o armazenamento, ficava um colorido gelado muito bonito, enchia os olhos.
Pois o danado do meu amigo Pelezinho foi escalado pela madrinha para ser um dos três vendedores da novidade na pequena cidade. Nos primeiros dias o comunicativo garoto vendeu todos, e deixou a madrinha toda animada. Os outros garotos, sem o mesmo dom de Pelé, sempre voltavam com a caixinha quase cheia.
Houve um dia que ameaçava chover. Os outros dois vendedores não apareceram. Naquela ocasião, só o Pelezinho se apresentou para a madrinha Maria, que também era sua tia.
-Pelezinho, hoje você vai trabalhar por três. Teus amigos não vieram. Vai ter que vender pelos teus colegas. E tem mais: se voltar com unzinho vai levar uma taca. E você sabe qual o peso da minha mão-
Meu amigo Pelezinho contou-me que ao ouvir a madrinha ficou paralisado. De fato, já tinha conhecido o peso da mão dela. Os pais tinham viajado e ele ficou sob os cuidados da tia Maria. A taca comeu quando ele, sem querer, derrubou um velho petisqueiro e quebrou vários utensílios.
Bem, o jeito era cair em campo pra vender as laranjinhas, escapar da pisa, e ainda ganhar um dinheirinho.
Teve jeito não! Naquele dia uma ameaça de chuva afastou o povo da rua, e ao contrário dos dias anteriores não conseguiu vender nada. O desespero tomou conta do Pelezinho. Ficou, segundo ele, a imaginar - como iria escapar da pisa que a madrinha havia lhe prometido.
Cansado, e chegando a hora de voltar para prestar conta da venda, Pelezinho se agoniou mais ainda. Foi no mato pelo menos três vezes aliviar a tensão, que se se concentrou no intestino. Só conseguia pensar na mão pesada da madrinha.
De repente Pelezinho olhou para o céu nublado, e começou a ri. Acabava, no alto da sabedoria dos seus dez anos de idade, de ter uma ideia que iria livrá-lo da peia.
Dirigiu-se até a calçada da Prefeitura da cidade. Pôs a caixinha térmica com as 30 laranjinhas do lado e, uma a uma, começou a chupá-las. Teve um momento que ele deu vontade de vomitar, mas continuou com o projeto de não deixar nenhuma para contar história.
Caixa vazia, buxo cheio de laranjinha de uva, morango, tangerina, laranja e groselha, já era hora de voltar.
Chegou tranquilo na casa da madrinha. Passou por ela com um sorriso largo, e guardou a caixa no lugar de costume. Ele ia se retirando quando foi barrado.
- E aí, meu afilhado preferido. Vendeu tudo, não foi? Muito bem, parabéns! Passe logo pra cá o dinheiro da venda. Vá para casa descansar. Amanhã, quando for sair novamente, pago sua comissão-
-Tem dinheiro não, tia!-
-Não tem dinheiro?-
- Que conversa é essa rapaz, de não ter dinheiro? A caixa tá vazia e isso significa que vendeu tudo. Vamos, passa tudo pra cá, agora!-
-Tem não, tia. Não vendi nenhuma laranjinha-
-Mas como, se a caixa voltou vazia?
No comando de sua esperta inocência meu amigo Pelezinho disse à sua madrinha, e tia:
-A senhora disse que se eu voltasse com uma só laranjinha que fosse, eu ia levar uma surra. Então, pra não desagradar a senhora, e não levar a pisa que a senhora me prometeu, chupei todas-
Um misto de zanga e surpresa tomou conta da tia de Pelezinho. Deu-lhe uma encarada, daquelas de criar gelo na espinha, cerrou os olhos, pôs as mãos na cintura, mas logo em seguida a cara feia era só, risos.
Não houve a prometida taca. Pelezinho acabou foi ganhando um abraço carinhoso da tia que, daquele dia em diante, não cansava de contar toda orgulhosa para a parentada e vizinhos, a estratégia que seu sobrinho de dez anos tinha feito para se livrar de uma pisa, que segundo ela, nem de longe ia acontecer.