Instantâneo

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Boa parte do clima outonal no meu círculo tem sido temperado com chuvas gentis intercaladas com um sol cujo sorriso resolveu mudar os versos do velho Alencar: 

“É maio, 
sê minha, 
disse o vento à rosa”.

Na frente do prédio começaram a cortar uma araucária de 25 metros. Alguns moradores resolveram bater panela e gritar como forma de protesto contra a derrubada da árvore. Foi a semana inteira assim. Todo dia às 11 da manhã começava uma infrutífera e desconfortável sessão de uivos. Nos últimos 20 anos ouço cá no bairro a seguinte lenda: proibido derrubar árvores, pois são tombadas e é necessário autorização expressa do órgão responsável. Balela. Derrubaram tudo o que podiam por aqui e vão continuar. O desdobramento beirou o inacreditável, na noite de sexta feira fizeram uma balbúrdia manicomial às 8 da noite, com buzinaço, aparelho de som, o escambal. O berreiro da vizinhança seria mais proveitoso se dirigido ao portador da caneta, ou seja, básico, ao ser que autorizou a debasta. Eis uma reflexão estéril. E outra, proveitosa, “Cada brasileiro acredita piamente que a incultura dele é o critério supremo para o julgamento de todas as coisas.”

Talvez a sanha dos manifestantes estivesse pautada por mais insciência, visto que no decurso da balbúrdia surge a informação de que o tronco estava comprometido por conta dos cupins, por isso foi autorizada a poda. Poderia cair.

Era mesmo majestoso exemplar de “Araucaria angustifolia”, um casal de gaviões namorou à beça no seu cimo. Estou pensando em mandar uma carta ao ex proprietário contando que cortaram o pinheiro que ele tanto admirou. 

Enfim…

A gente faz troça em cima da tarja “Idiotas Na Internet”, mas é preciso lembrar que a mesma foi na última década janela da esperança para rapazes e moças de origem humilde com um trunfo além de seus progenitores, digamos o filho de um mecânico que sobe um degrau na escada para compartilhar algum saber ou demonstrar algum talento. Ocorre que observando esse salto - 2010 para 2021, as ramificações foram tantas, de todas as estruturas de tempo e dimensões, que hoje, deixando um segundo de lado o magote infinito de opiniões, chegou-se numa perigosa fronteira onde uma vasta rede de computadores, interligados decerto, funcionam sem qualquer intervenção humana, obedecendo a programações que vão concebendo práticas, gerando instruções, alterando dados, fatos e até ações de internautas, com páginas inteiras produzidas automaticamente, tudo no intuito de sustentar a narrativa dos donos do palco.

O cômputo geral, na cidade, na nação, no mundo, pode ser descrito mais ou menos assim: um bafo grosseiro de desordem infame desmancha o traço fingido de civilização. E os canalhas nos postos chave, cada um deles, conhece a iminência do ocaso da sua relevância. O resto é linha e cor, fluxos e padrões.

No mais, o que um humilde autor de internet pode esperar de uma minguada platéia? Nada, além de sentir, “através da concordância dos seus gostos, subir como um perfume, a simpatia dos seus corações”. 


(Imagem: Di van Niekerk)


(http://www.bernardgontier.com)
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 02/05/2021
Reeditado em 06/10/2021
Código do texto: T7246378
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