Antes dormir do que morrer
O meu avô Ramos, pai do meu pai, e Joca, da minha mãe, viviam a proferir tiradas proverbiais. A cada instante, ao enfadarem os adultos com essas admoestadoras conversas, eles não poupavam os netos de ouvi-las, como se fossem aulas, debaixo das árvores ou caminhando à beira do açude. Essas citações abordavam diversos assuntos da natureza, das coisas, dos fatos e das pessoas. Tudo nisso, numa mistura filosófica, até, às vezes, contradizendo os costumes... Além de serem contadores de história, isso lhes trazia a áurea de quem era dotado de experiência e sabedoria.
Diziam eles que o melhor desejo não caberia numa manhã, numa tarde, mas exatamente na noite. É para a noite que as mulheres, mesmo já belas, embelezam-se... Privilegiavam também a noite, comparando o Sol causticante com a suavidade e a doçura da Lua, de esplendorosa beleza feminina. A Lua que adormece a natureza, também acalentando bichos, homens e mulheres.
Há quem pense o contrário; que dormir é perder tempo da vida, e lá vinham os provérbios como o “sem sono, ninguém vive acordado”. Na verdade, o radical “utilitarismo” faz com que as horas de sono ou de descanso se considerem uma paralisia, ausência de trabalho ou de atividades de produção. Mas, quanto a isso, esses avós, amantes de uma boa rede, contradiziam com axiomas populares ou improvisados: “Quem não se deita não fica em pé”. Ainda, “mais vale uma noite de sono do que cem cestos de pão”. Os adeptos dos admiradores do sono têm no “isolamento social”, durante essa pandemia, ocasião para alongar suas sestas e os apaixonados pelo trabalho, circunstância, para inventar todas as espécies de home office , sem saírem da cadeira.
O sono alimenta, aquieta, serena as animosidades, portanto propicia atitudes de equilíbrio, conduzindo ao virtus in medio ou amadurece o fruto que estava verde à espera do meio da sua estação, para ser comido. Ao enaltecer a importância de ter sonho, relembro a curta frase imortalizadora de Martin Luther King: “ Eu tenho um sonho” (I have a dream). Dormir nos é tão salutar que também sonhamos pesadelos; não para nos assustarem, mas para colocar para fora desesperos e angústias insuportáveis que construímos, enquanto estamos acordados. Não se discute aqui o sonho com seu significado profético, como notícia do que vai acontecer assim como acreditam os amantes do jogo do bicho, fazendo uma fezinha, apostando num milhar, ao sonhar com cobra, cachorro, girafa, avestruz ou borboleta.
Se o sonho é considerado alívio dos acordados, impossível sonhar sem estar dormindo, a não ser, por analogia, acordado, desejar-se o irreal. Uns dormem apenas três horas, outros, oito horas, e alguns até dez horas. Assim o sono é relativo em questão do tempo; e caracterizante de quem sonha, tornando também objeto de análise para eventual terapia. Millôr Fernandes, numa das publicações do Pasquim, ironizou: “Depois de Freud, uma senhora honesta não pode mais sonhar em paz”. O sono, quando comparado à morte, não nos mata. Ao contrário, descansa e alivia-nos das apreensões quotidianas; bem ditas, nas Palavras de Macbeth (Shakespeare, Ato II). Acentua mais ainda Hipócrates (460 – 374 a.C.): “Uma doença em que o sono faz mal é mortal; não é mortal a moléstia, em que o sono alivia”.
O meu avô Ramos, pai do meu pai, e Joca, da minha mãe, viviam a proferir tiradas proverbiais. A cada instante, ao enfadarem os adultos com essas admoestadoras conversas, eles não poupavam os netos de ouvi-las, como se fossem aulas, debaixo das árvores ou caminhando à beira do açude. Essas citações abordavam diversos assuntos da natureza, das coisas, dos fatos e das pessoas. Tudo nisso, numa mistura filosófica, até, às vezes, contradizendo os costumes... Além de serem contadores de história, isso lhes trazia a áurea de quem era dotado de experiência e sabedoria.
Diziam eles que o melhor desejo não caberia numa manhã, numa tarde, mas exatamente na noite. É para a noite que as mulheres, mesmo já belas, embelezam-se... Privilegiavam também a noite, comparando o Sol causticante com a suavidade e a doçura da Lua, de esplendorosa beleza feminina. A Lua que adormece a natureza, também acalentando bichos, homens e mulheres.
Há quem pense o contrário; que dormir é perder tempo da vida, e lá vinham os provérbios como o “sem sono, ninguém vive acordado”. Na verdade, o radical “utilitarismo” faz com que as horas de sono ou de descanso se considerem uma paralisia, ausência de trabalho ou de atividades de produção. Mas, quanto a isso, esses avós, amantes de uma boa rede, contradiziam com axiomas populares ou improvisados: “Quem não se deita não fica em pé”. Ainda, “mais vale uma noite de sono do que cem cestos de pão”. Os adeptos dos admiradores do sono têm no “isolamento social”, durante essa pandemia, ocasião para alongar suas sestas e os apaixonados pelo trabalho, circunstância, para inventar todas as espécies de home office , sem saírem da cadeira.
O sono alimenta, aquieta, serena as animosidades, portanto propicia atitudes de equilíbrio, conduzindo ao virtus in medio ou amadurece o fruto que estava verde à espera do meio da sua estação, para ser comido. Ao enaltecer a importância de ter sonho, relembro a curta frase imortalizadora de Martin Luther King: “ Eu tenho um sonho” (I have a dream). Dormir nos é tão salutar que também sonhamos pesadelos; não para nos assustarem, mas para colocar para fora desesperos e angústias insuportáveis que construímos, enquanto estamos acordados. Não se discute aqui o sonho com seu significado profético, como notícia do que vai acontecer assim como acreditam os amantes do jogo do bicho, fazendo uma fezinha, apostando num milhar, ao sonhar com cobra, cachorro, girafa, avestruz ou borboleta.
Se o sonho é considerado alívio dos acordados, impossível sonhar sem estar dormindo, a não ser, por analogia, acordado, desejar-se o irreal. Uns dormem apenas três horas, outros, oito horas, e alguns até dez horas. Assim o sono é relativo em questão do tempo; e caracterizante de quem sonha, tornando também objeto de análise para eventual terapia. Millôr Fernandes, numa das publicações do Pasquim, ironizou: “Depois de Freud, uma senhora honesta não pode mais sonhar em paz”. O sono, quando comparado à morte, não nos mata. Ao contrário, descansa e alivia-nos das apreensões quotidianas; bem ditas, nas Palavras de Macbeth (Shakespeare, Ato II). Acentua mais ainda Hipócrates (460 – 374 a.C.): “Uma doença em que o sono faz mal é mortal; não é mortal a moléstia, em que o sono alivia”.