PELA CENTRAL DO BRASIL...RUMO AO PLANALTO CENTRAL

Piuí...piuí...eu os convido a viajar comigo.

Hoje, aqui novamente embarco num trem, agora num texto pela CENTRAL DO BRASIL, a seguir viagem na janelinha do meu sentimento ancorado nos trilhos dos tempos.

Quantos dormentes...percorridos e a se percorrer.

Meu roteiro de pensamento começou quando, dias atrás, eu revia o longa brasileiro CENTRAL DO BRASIL.

Na primeira vez que o vi, bem lá atrás, talvez não pudesse nem de longe relatar minha atual percepção de cidadã brasileira, essa que tentarei explicitar aqui, após decorridos exatos VINTE E TRÊS ANOS do lançamento da obra, que aliás, foi premiada com doze reconhecimentos de qualidade, inclusive com o Urso de Ouro, nos idos de hum mil novecentos e noventa e oito.

Minha sensação resulta em alguns questionamentos bem simplistas, rasos até, que qualquer pessoa com um mínimo de sensibilidade e honestidade os perguntaria a si mesma depois de rever a obra, apenas mediante uma simples analogia do ontem com o hoje...todavia, sempre sem conseguir enxergar o amanhã.

O que nos mudou, a melhor, de lá para cá?

O filme se baseia em conhecidos, fortes e tristes cenários sociais e culturais crônicos e perenes, tão arraigados no cerne do nosso país.

Ali nos são mostrados , dentre tantos problemas que nos parecem insolúveis, a situação financeira insustentável duma professora aposentada e o estado acachapante do analfabetismo no BRASIL, todos focados naquela época já tão distante de nós.

Os temas são bem complementares em suas causas e efeitos.

Discute-se também a problemática do abandono infantil, a violência sob várias formas, o tráfico de pessoas, a drogadição, os vários sincretismos culturais e injustiças sociais que embasam , de forma crescente e alarmante, a gênese do nosso povo cada vez mais sofrido, abaixo da linha da miserabilidade holística, à margem da cidadania através dos direitos negados pela História dos que se propuseram, no alto dum Planalto Central, cuidar das gentes...

Enfim, o abandono das vidas,

Na minha viagem pelas sucatas das paisagens desvitalizadas, dentre a terra seca, vitalmente fustigada, seguindo pela não menos sucatadas trilhas do caminhos carcomidos por tudo (uma metáfora que nos corta) pude observar a solidão das vidas que se escoam sem projetos, sem perspectivas de vida real; senti a pincelada da cultura do "se levar vantagem em tudo", como no fisiologismo político; e muito sutilmente , quase de forma lúdica, ali entendi o porquê da perdição da infância para o caminho da marginalidade.

Enfim, um filme que tão tristemente nos relataria nossa quase mesmíssima situação vinte e três anos depois, não fosse pela assustadora piora das cenas que vemos hoje em dia, pela janelinha dos tantos trens que rumaram ao Planalto Central em dormentes apodrecidos, corrompidos, sem em nada modificar o rumo duma nação hoje agonizante em tudo.

Tanto tempo depois e digo que, revendo a obra, senti explicitamente como se constrói o tempo perdido, sagrado tempo de construção ou perdição de tantos rumos fundamentais à existência digna.

As perguntas que me faço, e que acredito que qualquer cidadão consciente também a si as faria:

Quando, afinal, nossa MISÉRIA deixará de ser apenas poesia glamorosa da boa, para apenas se tornar premiações de obra de arte fictícia aos olhos dum mundo que nos assiste e nos aplaude perplexo?

Quando mudaremos o tão batido tema dos trilhos e o rumo do nosso trem descarrilado?

Quando a dor da cidadania que NUNCA vinga deixará de ser voto de cabresto pelo tempo que nunca chega?

Quando deixaremos de enganar gerações e gerações, a fazê-las acreditar que a miséria é digna e "empoderada" aos gritos, a politicamente superar o cancro da Educação negada de forma sistêmica e programada?

Rodando...o meu sentimento que não cabe numa mera crônica.

Eu sigo...

Seguimos, melhor dizendo.

Rodamos todos, todos os dias, noite e dia, pelo anoitecido cerne central dum Brasil sem rumo, todavia, rumo aos tantos futuros incertos dum mesmo Planalto Central inerte historicamente; eu, ainda na perene esperança poética e simplória de que um dia deixaremos de rodar nossas fúnebres cenas de poeiras ao vento.

Revi um filme nosso, construído a tantas mãos, santas e velhacas; obra que tão causticamente tem uma triste Nação como perene protagonista dum perdido destino de chegada.

Uma Nação desconstruída, cada vez mais sedenta por um mínimo pódio de conquista para a premiação da mais irrisória cidadania sonhada no "THE END" dum povo apático.

Penso que a dor social, alimentada no tempo e só chorada nas artes, jamais será bandeira de vitória social alguma.

Falta-nos criatividade e entendimento para encenarmos um verdadeiro prêmio de vida real.

Porque, nada nem ninguém, tampouco a melhor arte do mundo, sobreviveria da mesmice de troféus fictícios de sucesso.

Mesmo assim, desejo-nos uma boa viagem.