Crônicas Médicas – Contra o que essa vacina me protege?
Certa vez, já no final de 2020, voltando com as aulas presenciais da faculdade, ainda em meio à pandemia, eu me vi, dentro da Unidade Básica de Saúde da Família, em uma situação que me causou incômodo. Não, não foi falta de respeito entre médico e paciente nem nada tão polêmico assim, mas é um assunto que me fez questionar muito a abordagem do profissional de saúde junto do paciente e, inclusive, o processo de formação dos alunos de medicina, no qual eu me incluo.
Toda terça-feira pela manhã, em pequenos grupos, frequentamos o posto de saúde para realizarmos nossas aulas práticas e conhecermos melhor a realidade da Atenção Básica no Brasil. Neste dia em especial, pedi para acompanhar a vacinação na unidade em que estou alocado, a fim de entender a dinâmica, tirar dúvidas e contribuir de alguma forma com o processo todo. Pedido feito, pedido atendido!
Na sala de vacinação, estávamos eu, duas técnicas de enfermagem e mais uma colega de turma. O postinho naquela manhã não estava tão lotado quanto de costume e os pacientes em busca de vacinas, por consequência, também não foram muitos. Lembro-me de ter acompanhado apenas três crianças, mas foi o suficiente para observar algumas coisas que podem ser melhoradas.
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Antes de eu continuar a história, gostaria que você pensasse sobre as vezes em que você foi tomar vacina ou quando levou seu filho/sua filha para vacinar. Pensou? Em alguma dessas vezes foi explicado para você sobre aquela vacina? Alguém te contou contra que doença ela te protege? E mais: alguém te contou o que aquela doença causa e os males que poderiam acontecer caso não vacinasse seus filhos? Reflita um pouco sobre isso!
Certo! Com as perguntas feitas, vamos continuar a história.
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Durante o primeiro atendimento, eu fui um mero espectador e o fiz propositalmente. Escolhi observar primeiro para depois intervir, perguntar, questionar. Era um bebê de 4 meses e, nessa idade, de acordo com o calendário vacinal, a criança deve tomar 4 vacinas. Uma das técnicas de enfermagem recolheu a Caderneta da Criança, enquanto a outra preparou as vacinas para serem aplicadas.
“Mãe, coloque a criança aqui em cima”, disse a segunda técnica, apontando para uma maca no meio da sala. A mãe, que sabe da necessidade de vacinar o filho, nada questionou e fez como a profissional pediu. Minha colega de turma, proativa, aproximou-se da mãe e começou a acalmar o bebê que já chorava. Eu, da distância que escolhi guardar, apenas observava com bastante atenção.
Todo o procedimento aconteceu em menos de cinco minutos, desde a entrada na mãe na sala até sua saída, ouvindo da primeira técnica de enfermagem enquanto recebia de volta a Caderneta da Criança, agora, atualizada: “Agora, só no mês que vem para vacinar de novo”. Eu, em minhas anotações mentais, já pensava em como intervir no próximo atendimento.
Quando o próximo casal entrou na sala, trazendo uma menininha, a atenção de todos voltou-se para a bebê; esta com dois meses. Como no outro atendimento, uma das técnicas recolheu a caderneta e a outra preparou as quatro vacinas para a idade. Mais uma vez, foi pedido para que a mãe colocasse a criança na maca e, outra vez, minha colega se aproximou para acalmar a jovenzinha. O pai, por outro lado, ficou distante, próximo à porta.
“O senhor sabe para que servem essas vacinas?”, indaguei, pegando-o de surpresa. “Não!”, ele me respondeu. “Gostaria de saber?”, questionei novamente e, vendo o movimento afirmativo de cabeça, comecei a explicar.
“Aos dois meses, a criança precisa tomar a primeira dose de quatro vacinas: VIP, rotavírus, pentavalente e pneumocócica 10 valente. A VIP é uma vacina contra a poliomielite, aquela doença que pode causar a paralisia infantil. A vacina contra o rotavírus protege o bebê da diarreia causada por esse vírus e, até um tempo atrás, diarreia era muito preocupante, por desidratar a criança e por trazer outros problemas. A vacina pentavalente protege contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e uma outra bactéria que pode causar pneumonia, meningite e outras doenças graves. A difteria causa problema na garganta e no nariz, o tétano faz o músculo contrair bastante e pode levar até ao óbito, a coqueluche acaba afetando o sistema respiratório e a hepatite B afeta o fígado. Por fim, a pneumo 10, como a gente costuma chamar, protege contra 10 agentes infecciosos que causam pneumonia, meningite e inflamação no ouvido. Então, quando sua filha toma todas essas vacinas, ela está se protegendo contra muita coisa. Eu imagino como é difícil ver uma menininha dessa idade tomando tanta agulhada, mas é melhor do que enfrentar essas doenças todas”. Conforme eu fui falando, percebi sua atenção mudar de foco. Quando comecei a explicar, ele estava apreensivo, olhando para a filha chorando em cima da maca. No entanto, de pouco em pouco, ele foi entendendo a importância daquelas vacinas e voltando sua atenção para mim. Assim, antes de sair da sala, ele me agradeceu pela explicação.
No atendimento seguinte, mais uma vez eu me mantive afastado para acompanhar a postura de todos dentro da sala. Outra vez, uma criança de quatro meses e as mesmas quatro vacinas seriam aplicadas. Tudo aconteceu exatamente como nos outros dois casos, exceto por um detalhe: “Onde está o menino que explica sobre as vacinas?”, gritou uma das técnicas de enfermagem. “Tô aqui!”, respondi e logo me coloquei à disposição para explicar novamente a importância da vacinação.
Eu sei que ainda precisava melhorar muita coisa naquele discurso. Eu, assim como aquele pai, não conhecia todas as vacinas e não sabia da importância exata de cada uma delas. Sabia apenas que era necessário se vacinar, mas isso nem sempre é suficiente.
Enquanto escrevo esta crônica, também me pergunto se aquela técnica saberia explicar para os pais a importância de cada vacina dada aos filhos. E se soubesse, será que ela estaria disposta?
Na saúde, muitas vezes nos questionamos sobre a crescente do movimento antivacina e nem sempre conseguimos entender de onde ele surge, como ele ganha força e o que podemos fazer para combatê-lo. Eu, na insignificância dos meus quase três anos cursando medicina, percebo que falta informação de qualidade para pais e responsáveis. Sei que não basta levantar a hashtag #AsVacinasFuncionam e dizer que é necessário vacinar. Precisamos ir além! Precisamos sair da inércia! Como profissionais da saúde, precisamos, antes de tudo, entender o porquê de as vacinas serem tão importantes e contra o que elas protegem, para, então, explicar aos demais.