VIVA O 25 D' ABRIL
LEMBRANÇAS LUSITANAS
Nelson Marzullo Tangerini
No dia 22 de abril de 2002, 502 anos depois do “descobrimento” do Brasil, o cronista que vos escreve pisava pela primeira vez a terra de Camões, Pessoa, Florbela, Eça, Saramago e de tantos ilustres lusitanos.
Viajei com Edgar Rodrigues [Antônio Francisco Correia], escritor português - com mais de 40 livros publicados sobre o anarquismo em Portugal e no Brasil e sobre a imprensa operária.
Fizemos palestras em Lisboa (2) e Porto (1), onde Edgar era homenageado, com exposição de seus livros e suas fotos.
Mas o que deixou profundas marcas em meu ser foi a comemoração do dia 25 de abril, quando Portugal se livrou de vez da corja sinistra e fascista alimentada por António de Oliveira Salazar, que, durante anos, com sua ditadura, levou a nação à categoria de país de 3º. Mundo. Ou muito abaixo disto.
Na travessia de barca, de Lisboa para Almada, quando caminhava ao lado de Edgar e Manuel Vieira, uma senhora veio em minha direção e pôs um cravo em meu bolso. Disse-lha que era brasileiro e ela me respondeu:
“- Não tem importância! Leva a Revolução dos Cravos para o Brasil!”
Nas ruas, ouvia carros tocando alto e em bom tom uma canção de Chico Buarque: “Foi bonita a festa, pá...”
Aquela multidão politizada e firme, portando cravos na lapela, no bolso ou na bolsa, me deixavam atônito – e emocionado. Ninguém sentia saudade da ditadura.
Dias depois, fui a um café, ao pé do Museu da Resistência, para tomar uma bica, momentos antes da palestra sobre o amigo escritor. Uma senhora percebeu o meu sotaque e pediu permissão para dar-me um beijo no rosto.
Fiquei meio sem jeito com o generoso beijo daquela senhora, mas suas palavras me deixaram emocionado:
“Quero que leves este beijo a todos os brasileiros! Amo o Brasil e a alegria dos brasileiros!"
Outra emoção, mas diferente, também marcou-me a vida: a comemoração do 1º. de maio na Praça da Liberdade.
Foi nesta viagem que conheci o Sr. Abílio Gonçalves, ex preso político de Salazar. Por muitos anos, Abílio esteve preso no Cárcere do Tarrafal, nas Ilhas Cabo Verde, onde foi barbaramente torturado.
Paciente e ouvinte atento, ouvi sua história e de muitos portugueses que perderam suas vidas em Cabo Verde ou no distante Timor Leste.
O pai de Edgar Rodrigues, sr. Francisco Correia, hoje nome de rua em Matosinhos, faleceu precocemente, após tortura, num hospital da cidade do Porto.
Quem viveu aquele momento histórico, sabe o valor que tem a democracia e a liberdade.
Sobre o cravo, perdi-o, ou talvez o tenha deixado sobre a mesa do hotel onde me hospedei, no Areeiro, próximo a Praça Sá Carneiro.
Ficaram ainda, na memória, uma visita ao Sindicato do Gráficos e tardes e as noites em que passei o tempo a conversar com amigos e a bisbilhotar os livros da Livraria Ler Devagar, no Bairro Alto, centro de Lisboa. De lá, corria para uma rua de onde meus olhos não se cansavam de mirar o Rio Tejo.
Ou da noite em que fui caminhar sozinho pelas ruas de Lisboa, iluminadas por uma bela lua cheia, que, apesar do frio intenso, clareava toda a capital de Portugal. Foi nesse momento que um poema de António Nobre, poeta simbolista português, me veio à mente.
25 de abril de 2021... Lamentavelmente perdi aquele cravo que ganhei na travessia de Lisboa para Almada. Talvez suas sementes pudessem agora dar novas plantas e novos cravos. Mas, enfim, mantenhamos a esperança de que esta terra ainda há de cumprir seu ideal: ainda há de ser um imenso Portugal.
NMT.