Pitangui: a Capadócia é aqui
A famosa Capadócia, da Turquia, com suas casas e até ruelas escavadas na rocha, das mais originais atrações turísticas do país, é pouco, quase nada, se comparada à Capadócia da Velha Serrana do centro-oeste mineiro. E não exagero, crendo ser ou sendo crer, sincero, assim espero...
Nossa Capadócia formou-se a partir da capação, vocábulo que, bem mais abrangente a mera castração, é porraqui tudo e um pouco mais do que compreende a caçoada. E você nem precisa de ir ao google para ver a sinonímia de caçoada: chacota gozação ironia troça zombaria zoada chalaça debique deboche mangação mofa motejo... Contudo, contados e apesar de todos, em Pitangui soberana e muitas vezes até tirana, é a capação.
Em casos extremos, ela pode começar já no próprio berço, quando o nascituro já vai descobrindo o mundo que o espera...afinal, quem não conhece a etimologia de um Kunnô, por exemplo...?
Se duvidar, tente se lembrar, ou citar, um único colega de pre, primário ou secundário, que não passou por esse calvário...a apelidação é compulsória e pouco importa se vexatória. Sai, ou cai, e pega. Mais ainda se você resiste. Mas o bullying, pelo menos na minha geração, era parte e parcela do processo educativo, dentro e fora de escola. Muitas vezes doía mais do que devia, sobretudo em casos de deficiência física, mental ou etc e tal.
Joaquim Patrício é o cognome de um prócer da terra, cujo nome original é Dr Agenor Cançado, melhor conhecido por Dr Nonô Cançado, que, aliás dá nome, em Pitangui, à rua onde sempre morei - de 58 a 65 - e onde vivem mamãe, e mais um par de irmãos já aposentados e, naturalmente, retornados. Pois bem, em sua única obra literária publicada, que conheço, o Dr Cançado, que viveu o final do século XIX a meados do século XX, descreve com minúcias e argúcias uma bela crônica de Pitangui e um capitulo todo é dedicado à vocação capadociana
para a apelidadgem, sem contudo pretender esgotar a lauta pauta...
Bento Comprido, a família dos Chochos, João Gordo, padre, e seu irmão gêmeo João Magro, fazem parte dessa plêiade infindável de vulgos...
Em tempos mais recentes, ma non tropo, gozador-mor, primus inter pares, foi Juvenal Cambota, figura constante e brilhante em pelo menos nove em dez causos do anedotário municipal, numa espontaneidade de fazer dó ...e nó.
Em meus tempos de ginásio, de1962 a 1965, não fugi a esse estigma: sendo um dos menores e mais jovens da turma sofri o bullying que ia muito além do apelido. Mas sofri calado, afinal não era o único. E algozes eram muitos mas o mais requintado foi o Catrepa. Zé Catrepa, ou Zeca Trepa...? E tudo terminava bem, mesmo com tanto e nada santo porém... Amém...? Ah, nem...
O espírito capadóxico, ou capa tóxico, segue vivo, nos muitos grupos de conversações, hoje propiciados pelo whats e assemelhados...e mais recentemente, com a polarização política em que mergulhou o país a coisa tende a se agravar para aqueles que não se filiam e professam a mais absoluta fé no pensamento dominante...ou ruminante... ganhando não raro, fatwas irrevogáveis... Allah, u akbar!